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As duas faces de Cachoeira

Empresário que levou à derrocada de Demóstenes Torres, respeitado por amigos e políticos, atuava como um 'capo' de organização criminosa, segundo a PF

LEANDRO COLON
ENVIADO ESPECIAL A ANÁPOLIS (GO)

Quem visita a goiana Anápolis e lê as milhares de páginas da Operação Monte Carlo encontra dois Carlinhos Cachoeira. Um é o "professor", o "grande", o "homem", de fala mansa e discreta, rico, respeitado por amigos, parentes e políticos.

O outro é controlador dos negócios ilegais, autoritário, intransigente, ameaçador, e chamado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal de "capo" e chefe de organização que praticou os crimes de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro na máfia do jogo ilegal em Goiás e no Distrito Federal.

As duas faces de Cachoeira -pivô da derrocada política do senador Demóstenes Torres (GO) e hoje preso- são resumidas por ele em ligação em 17 de maio de 2011 com a mulher, Andressa: "Só vivo em cima do fio da navalha".

Dez dias depois, essa vida dupla volta a aparecer quando se preocupa com a separação conjugal do ex-cunhado Adriano, um laranja dele: "Os trem tá tudo no nome dele. Imagina se a mulher inventar de pegar metade dos trem? Não fala um negócio desse senão eu morro".

Carlinhos Cachoeira começou a vida do jogo ilegal em Anápolis, sua terra natal, ainda jovem, nos anos 70, recolhendo de lambreta, nas bancas da cidade, apostas do jogo do bicho, comandadas pelo pai, Sebastião Cachoeira.

Na infância, era o "camelo", apelido -que odiava- pelos joelhos tortos. Dos 12 de 14 irmãos ainda vivos, Carlinhos foi quem mais tomou gosto pelo negócio do pai.

"Cachoeira" não é sobrenome de Carlos Augusto de Almeida Ramos, 48. O apelido herdou do pai e do avô.

Ninguém na família explica direito o motivo, mas a versão difundida está na origem nas cidades mineiras de Araxá e Santa Juliana, conhecidas pelas quedas d'água. Em meados do século passado, seu pai migrou para Anápolis com a mãe, "dona Zezé".

"Ninguém fala mal dele na cidade. Ele veio do nada e entrou no jogo do bicho. Ele nunca matou, nunca roubou, nunca vendeu cocaína, maconha. O crime que ele cometeu é contravenção, essas maquinazinhas", diz o vereador Maurão do INPS (PDT).

Quando ligava seu telefone especial para tocar os negócios, o Cachoeira do outro lado da navalha aparecia.

Aí, o "capo" jogava pesado na máfia de caça-níquel. Exigia comissões de quem dirigia outros cassinos clandestinos, orientava Demóstenes, cobrava delegados e não perdoava nem mesmo parentes.

"Eu só não dou um corno em você, e no seu pai, aquele vagabundo, porque vocês dois é dois pilantra, vigarista, da pior qualidade do mundo", disse a um sobrinho, ao cobrar o pagamento de cheques sem fundo.

Cachoeira nunca se escondeu. Frequentava livremente gabinetes de políticos, restaurantes, bancas de jornais, e, botafoguense, recebia amigos na chácara da família em Anápolis para as "peladas" no campo de futebol.

O crescimento financeiro teve impulso nos anos 90, quando atuou nas loterias legalizadas em Goiás.

Em 2004, veio a público um vídeo gravado dois anos antes em que discute propina com o então presidente da Loterj, Waldomiro Diniz. Na época, Diniz era assessor de José Dirceu na Casa Civil.

O caso revelou ao país a existência de Cachoeira. Foi alvo de CPI, depôs no Congresso. Mas nunca parou.

Ao mesmo tempo, investiu -ou lavou dinheiro- em outras áreas, como o laboratório Vitapan, hoje em nome de sua ex-mulher Andréia, com quem tem três filhos. Para a polícia, ele é o dono de fato.

Mantém ligações com outras empresas, inclusive de comunicação. Andava em carros de luxo, registrados em nome de outras pessoas.

Hoje, preso na penitenciária de segurança máxima em Mossoró, recebe visitas da jovem e bela mulher, ex de um suplente de Demóstenes.

Naquele diálogo do fio da navalha, Cachoeira avisa e questiona Andressa: "Cansei de falar da insegurança que é a minha vida pra você, se você topa? Você não topa? Vamos adiante?".

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