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Elio Gaspari

O presidente Demóstenes em Nova York

Quem conhece o conto do vigário moralista de Collor e Jânio sabe que tudo isso poderia ter acontecido

Setembro de 2015: eleito presidente da República, em novembro do ano passado, Demóstenes Torres chegou ontem a Nova York para abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas. Reuniu-se com o presidente Barack Obama, de quem cobrou uma política mais agressiva contra os governos da Bolívia, Equador e Venezuela, "controlados por aparelhos partidários que sonham em transformar a América Latina numa nova Cuba". Antes de embarcar, Demóstenes abriu uma crise diplomática com o Paraguai, anunciando sua intenção de rever o tratado da hidrelétrica de Itaipu.

O presidente brasileiro assumiu prometendo fazer "a faxina ética que o país precisa". Para isso, criou um ministério com superpoderes, entregue ao ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Numa reviravolta em relação a suas posições anteriores, o presidente apoiou um projeto que legaliza o jogo no país. Ele reestruturou o programa Bolsa Família, reduzindo-lhe as verbas e criando obstáculos para o acesso aos seus benefícios. Patrocinou projetos reduzindo a maioridade penal para 16 anos, e autorizando a internação compulsória de drogados. Determinou que uma comissão especial expurgue o catálogo de livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação. Atualmente, percorre o país pedindo a convocação de uma Assembleia Constituinte. A oposição do Partido dos Trabalhadores denuncia a existência de uma aliança entre o presidente e quase todos os grandes meios de comunicação do país.

Ao desembarcar no aeroporto Kennedy, Demóstenes ironizou as críticas à presença de uma jovem assessora na sua sua comitiva: "Lamentavelmente, ela não é minha amante, porque é linda". À noite o presidente compareceu a um jantar no restaurante Four Seasons, organizado pelo empresário Claudio Abreu, que até março de 2012 dirigia um escritório regional de relações corporativas da empreiteira Delta. Abreu é o atual secretário-executivo da Comissão de Revisão dos Contratos de Grande Obras, presidida pelo ex-procurador geral Roberto Gurgel. Chamou a atenção na comitiva do presidente o fato de alguns integrantes carregarem celulares habilitados numa loja da rua 46. Eles são chamados de "Clube do Nextel".

Em 2012 a carreira do atual presidente foi ameaçada por uma investigação que o associava ao empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como "Carlinhos Cachoeira", marido da ex-mulher do atual senador Wilder Pedro de Morais, que era suplente de Demóstenes. O trabalho da Polícia Federal foi desqualificado pela Justiça. O assunto foi esquecido quando surgiram as denúncias do BolaGate contra o governo da presidente Dilma Rousseff envolvendo contratos de serviços e engenharia de estádios para a Copa do Mundo, cancelada em 2013. A eleição de campeões da moralidade é um fenômeno comum no Brasil. Em 1959 Jânio Quadros elegeu-se montando uma vassoura. Em 1989, triunfou Fernando Collor de Mello. O primeiro renunciou numa tentativa de golpe de Estado e terminou seus dias apoquentado por pressões familiares para que revelasse os números de suas contas bancárias no exterior. O segundo deixou o poder acusado de corrupção e viveu por algum tempo em Miami, elegeu-se senador e apoiou a candidatura de Demóstenes. O tesoureiro de sua campanha foi assassinado.

Presente ao jantar do Four Seasons, o empresário Carlos Augusto Ramos não quis falar à imprensa. Ele hoje lidera o setor da industria farmacêutica brasileira beneficiado pelos incentivos concedidos no governo anterior. Ramos chegou acompanhado pelo ministro dos Transportes, Marconi Perillo, que governou o Estado do presidente e foi o principal articulador do apoio do PSDB à sua candidatura. Uma dissidência do PT, liderada pelo deputado Rubens Otoni, também apoiou a candidatura de Demóstenes. O presidente anunciou que a BingoBrás será presidida por um ex-petista.

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Abril de 2012: quem conhece o tamanho do conto do vigário moralista de Fernando Collor e Jânio Quadros sabe que tudo o que está escrito aí em cima poderia ter acontecido.

COTAS

Pelo andar da carruagem, o Supremo Tribunal Federal julgará nos próximos meses a ação de inconstitucionalidade das cotas para afrodescendentes nas universidades públicas. Seu novo presidente, Carlos Ayres Britto, assumirá na semana que vem com mais um item na agenda: prioridade para processos que ajudem a Viúva a obrigar larápios a devolver o que embolsaram.

TESOURA NO MP

Por falar em caça aos larápios, está a espera de julgamento no STF uma ação da Associação dos Membros de Tribunais de Contas do Brasil pedindo que se declare inconstitucional uma lei aprovada em Roraima, tirando a autonomia dos Ministérios Públicos dos TCs. Cortar as asas dos procuradores é o objeto do desejo de muita gente, inclusive da pior gente.

DILMA NO TAJ

A doutora Dilma já foi turista de dinheiro curto. O que ela diria se chegasse a Agra com apenas poucas horas da manhã disponíveis e, indo ao Taj Mahal, fosse informada que o monumento estava fechado para uma visita especial do presidente José Sarney e sua comitiva? Monumentos suntuosos sem povo por perto são coisa de monarcas delirantes. O xá Jahan, que construiu o Taj, foi declarado incompetente pelo filho e morreu em prisão domiciliar. Quando a doutora foi ao Metropolitan de Nova York e percorreu a exposição de Franz Hals, não passou pela cabeça de seus áulicos pedir que fechassem a mostra. Tomara que em sua visita a Washington não queiram fechar a National Gallery.

NOVO NOME

Não se supunha que surgissem tantas dificuldades para preencher os sete lugares da Comissão da Verdade.

Na última semana surgiu uma ideia, apenas uma ideia. A de convidar o cardeal Claudio Hummes, de 77 anos. Ex-arcebispo de São Paulo. Até 2010 dirigiu a poderosa Congregação do Clero, na Cúria romana. Durante as greves do ABC, quando o Brasil começou a ouvir falar em Lula, ele era bispo de Santo André e solidarizou-se com os trabalhadores. Ao longo do pontificado de João Paulo 2º, afastou-se da igreja militante. Será difícil rotulá-lo. Resta saber se aceita.

BOA NOTÍCIA

O Supremo Tribunal Federal decidiu enviar ao Congresso um projeto de lei vedando a destruição de processos judiciais. Se a Câmara e o Senado trabalharem rápido, acaba a pirominia destruidora de uma parte da história nacional, autorizada no governo de José Sarney. A ideia era destruir processos considerados irrelevantes. Por exemplo: como o de um pernambucano que teve um dedo decepado num acidente de trabalho. Era o dedo de Lula, cujo processo foi destruído. A preservação dos documentos tem um custo elevado para o Judiciário, mas pode-se chegar a uma solução com a ajuda de universidades e filantropos. A Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul já dá o exemplo.

LULA 2.0

Nosso Guia telefonou para o empresário Eike Batista, solidarizando-se com o seu filho, aperreado pelo episódio em que atropelou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos. Ao tempo em que ele rodava o programa Lula 1.0, teria ligado também para a família de Wanderson, que morreu.

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