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Questões de Ordem

MARCELO COELHO - coelhofsp@uol.com.br

Ária de bravura

Exclamações fizeram do voto de Peluso uma das árias mais vibrantes de toda a ópera do mensalão

CEZAR PELUSO despediu-se ontem do STF por ter atingido a idade de 70 anos. Mas seu último voto foi de uma vibração quase juvenil.

Ele foi se aquecendo aos poucos. Como tem acontecido mais de uma vez, neste julgamento do mensalão, começou com uma questão teórica.

Há dois tipos de provas, disse Peluso. A prova direta, ou "histórico-representativa", e a prova indireta, ou "crítico-lógica".

Na prova indireta, que é o que interessa no mensalão, o que se verifica é um fato X, que, normalmente, sabemos estar associado a um outro fato Y, este sim criminoso.

Um exemplo simples. Tome-se um acidente de trânsito, em que a traseira de um carro é atingida. É normal que a culpa seja do motorista que estava atrás. Distraiu-se e não brecou, por exemplo.

Pode ocorrer uma situação excepcional? Pode. O carro da frente breca, engata a marcha à ré, e bate no carro de trás.

Mas se a defesa quiser que o juiz acredite nisso, terá de apresentar provas de sua versão. Não é só à acusação, portanto, que cabe o famoso "ônus da prova".

O raciocínio se aplica, diz Peluso, ao caso João Paulo Cunha. Todos os indícios são de corrupção: ele recebeu R$ 50 mil por intermédio de sua mulher. O cheque vinha de Marcos Valério, enquanto se desenvolvia um processo de licitação em que ele tinha interesse na Câmara.

João Paulo e Marcos Valério já tinham se encontrado? Sim. Segundo os autos, "para discutir a situação política do país". A voz de Peluso se torna aguda: "Espantoso!"

Para a defesa, João Paulo utilizou os R$ 50 mil para pesquisas eleitorais, depois de tê-los solicitado ao tesoureiro do PT. "Não sabia que o partido estava insolvente?"

As notas fiscais mostradas para comprovar o serviço, muito tempo depois, indicam que a tal empresa de pesquisas não fazia nada!

Durante meses! E o dono da empresa, o que diz?! Peluso fumega ao citar os autos: "Na minha conta é que não foi parar!" É o que declara o proprietário!

A quantidade de pontos de exclamação e de notas agudas fez do voto de Peluso uma das árias mais vibrantes e velozes de toda a ópera do mensalão.

Veio um bis, na condenação de Henrique Pizzolato. A defesa argumentou que o dinheiro desviado pelo diretor do Banco do Brasil não era público -o que não ajuda, como se viu em vários votos, para eliminar a acusação de peculato.

Mas vejam!, diz Peluso numa saraivada final. Afirmou-se que o dinheiro provém de uma porcentagem paga pelos usuários de cartões de crédito em suas compras. Seria privado, portanto. Sim, o cliente paga! Mas depois de pagar, diz Peluso, o dinheiro vai para quem recebe! A saber, o Banco do Brasil!

É como se alguém comprasse uma gravata numa loja, e depois continuasse a dizer que o dinheiro lhe pertence!

Um verdadeiro juiz deve votar sem ódio, disse Peluso em sua despedida. Mas sua fala não escondeu a indignação -não propriamente cívica, mas intelectual, diante do que viu de inconsistências na defesa.

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