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Comissão da Verdade pede que USP reveja demissão de desaparecida

Ana Kucinski foi vista pela última vez em 1974; ex-delegado relatou que ela foi morta em centro de tortura

USP diz ter reconhecido desaparecimento; comissões cobram pronunciamento do Instituto de Química

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Ontem, a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, pela Comissão Nacional da Verdade, e o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), pela Comissão da Verdade de São Paulo, assinaram documento dirigido ao reitor da USP, João Grandino Rodas, e ao diretor do Instituto de Química da USP, Fernando Rei Ornellas, que pede a revisão da demissão da docente Ana Rosa Kucinski, ocorrida em 1975 por abandono de emprego.

Foi a primeira atividade conjunta das duas comissões, que firmaram acordo de cooperação.

Professora do Instituto de Química, Ana Rosa era também militante da Ação Libertadora Nacional (ANL), organização guerrilheira fundada por Carlos Marighella (1911-1969). Desapareceu no centro de São Paulo em 22 de abril de 1974. Estava com o marido, o físico Wilson Silva, em comemoração pelo quarto aniversário de casamento. Nunca mais foi vista.

O ex-delegado de polícia e ex-agente do SNI Cláudio Guerra disse que Ana Rosa foi assassinada na chamada "Casa da Morte", centro de tortura que funcionava em Petrópolis (RJ). O corpo teria sido incinerado nos fornos de uma antiga usina de açúcar.

Segundo Adriano Diogo, "não se contentaram em sequestrar, torturar e matar Ana Rosa. Ainda tentaram destruir a sua memória com calúnias e difamações."

O deputado apresentou um relatório produzido pela Marinha em 1993, a pedido do então ministro da Justiça, Maurício Corrêa (1934-2012).

Entre informações oficiais sobre 251 ativistas presos, mortos e desaparecidos, consta um registro datado de julho de 1981 [supõe-se que seja a data da produção do arquivo] sobre Ana Rosa:

"Consta que se encontra desaparecida e que teria sido tirada de circulação pela CIA [o serviço secreto americano], que tinha conhecimento da militância da mesma em organizações esquerdistas no Brasil e de seu trabalho em prol de Israel".

Por essa versão, Ana Rosa, de origem judaica, seria um "agente triplo": esquerdista, agente da CIA e informante do serviço secreto israelense.

O mesmo informe diz que um dos trabalhos de Ana Rosa era "passar informações sobre o avanço da tecnologia nuclear brasileira para Israel". Em 1972, o Brasil havia assinado termo de cooperação nuclear com os EUA, visando à construção da primeira usina no país.

Em carta lida na reunião das comissões da verdade estadual e nacional, o irmão de Ana Rosa, o jornalista Bernardo Kucinski, ex-professor da USP, afirma que o relatório da Marinha é "infame... Desinformação e difamação das vítimas da repressão".

Kucinski também é citado no relatório: "Consta que (...) Bernardo Kucinski continuou o trabalho [de passar informações para Israel] que era exercido pela sua irmã".

Segundo Elizabetta Santoro, da diretoria da Associação dos Docentes da USP, 47 uspianos foram mortos por suas atividade de oposição ao regime militar.

A demissão de Ana Rosa foi aprovada na reunião de 23 de outubro de 1975 da congregação (órgão máximo de deliberação) do Instituto de Química. Placar da votação: 13 votos pró-demissão e 2 votos em branco.

A assessoria da USP diz que "isso foi resolvido na universidade em 1995, quando foi revertida a demissão e a professora foi considerada desaparecida política" por um despacho do então reitor.

As comissões da verdade consideram o ato insuficiente. É preciso que a "Congregação do Instituto de Química (...) reveja publicamente a decisão anterior".

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