São Paulo, domingo, 03 de abril de 2011

Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE TRIGÊMEOS DE CURITIBA

Dilema é decifrar se caso foi apenas um erro momentâneo

Tentativa de pais de abandonar uma das três filhas envolve instintos ancestrais inscritos em nosso DNA

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Não poderia haver agressão maior a nossas sensibilidades modernas do que a tentativa do casal de Curitiba de abandonar na maternidade a mais doentinha das três filhas recém-nascidas.
De uma só tacada, os pais atentaram contra os imperativos do amor pela prole e da proteção aos mais fracos.
Atropelaram, também, a noção de responsabilidade contratual, pois eles sabiam pelo menos desde as primeiras semanas da gestação que lidavam com uma gravidez trigemelar.
Estamos então diante de monstros? A questão é mais complicada e envolve, entre vários elementos, alguns impulsos ancestrais.
Uns poucos séculos de desenvolvimento tecnológico e fartura material nos fizeram esquecer de como a vida pode ser difícil para humanos.
Do conforto de nossos lares climatizados e abastecidos por supermercados, idealizamos o amor pelos filhos e transformamos a simples suspeita de abandono de crianças em crime contra a espécie. Esquecemos que, no ambiente inóspito que predominou durante a maior parte de nossa história evolutiva, frequentemente não havia alternativa que não a de sacrificar os mais fracos (quase sempre bebês, velhos e doentes) para garantir a sobrevivência do grupo. Esse passado darwiniano evidentemente deixou marcas em nossos cérebros.
É claro que biologia não é destino. Não é porque nossos ancestrais tiveram de cometer infanticídio que estamos autorizados a repetir suas atitudes. Seria uma surpresa, entretanto, se comportamentos inscritos no fundo de nosso DNA -e no da maioria dos animais que cuida da prole- não dessem as caras de vez em quando, em especial em situações de estresse como a enfrentada pelo casal.
O dilema agora é decidir se a tentativa de abandono basta para decretar que os pais se tornaram para todo o sempre indignos de manter a guarda dos filhos, ou se ela é mais bem descrita como um erro pontual, uma falha momentânea no dever de reprimir os nossos instintos mais primitivos.


Texto Anterior: Risco de gestação tripla era conhecido, dizem médicos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.