São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2010 |
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ANÁLISE Eleita fala grosso, mas ensaia inflexão externa Ao criticar apedrejamento de mulheres no Irã, Dilma sinaliza mudança no Itamaraty
IGOR GIELOW SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA Apesar do estilo truncado e da volta de cacoetes da "ministra do PowerPoint", a fala de Dilma Rousseff ontem trouxe algumas luzes sobre o que pode vir a ser o posicionamento externo do Brasil em seu governo. Primeiro, uma inflexão. Ao criticar o apedrejamento de mulheres no Irã, ela classificou a prática de "bárbara", "mesmo considerando os usos e costumes" do regime islâmico de Teerã. Supondo-se que ela tenha a mesma opinião sobre o provável enforcamento de Sakineh Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e assassinato que anda a comover o Ocidente, é uma guinada na política de vista grossa do Itamaraty lulista às práticas dos regimes aliados. No caso específico de Sakineh, após considerá-la um problema do Irã, Lula ainda embicou uma tentativa de remediação de imagem ao oferecer asilo à mulher. Mas nunca se viu Lula ou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticar atos bárbaros pelo que são. Em sua defesa, o Itamaraty sustenta que isso é relativismo cultural obrigatório, sob o argumento diplomático de que não é justo julgar outras realidades. Os anos Lula, contudo, foram consistentes em ignorar violações de direitos humanos e abusos. Dissidentes cubanos foram ridicularizados, vários ditadores cortejados. Do lado das semelhanças, a fala crítica de Dilma sobre a chamada guerra cambial traz um aprofundamento no discurso de "altivez" preconizado pela área externa. Eleger Estados Unidos e China como adversários antes de tomar posse não é exatamente trivial. É elevar a um patamar mais concreto, o da disputa comercial real e não de picuinhas anti-imperialistas, a "briga contra os grandes" ensaiada nos oito anos de PT no poder. É preciso checar a compatibilidade entre retórica e realidade e examinar as contradições -em seu discurso da vitória, Dilma criticava protecionistas, mas lembrava da importância "das nossas próprias políticas". A plateia também poderia ser poupada de bobagens como a dita ontem, quando a eleita afirmou que a Segunda Guerra Mundial decorreu tão somente de uma disputa econômica análoga à atual. Seja como for, Dilma insinuou que manterá a voz grossa do Lula que canalizava os desejos de Amorim e companhia. A questão seguinte é ver se, até por uma questão de extensão vocal política, ela conseguirá manter o tom. Texto Anterior: Janio de Freitas: Dívidas de informação Próximo Texto: Foco: Após ser eleita, Dilma volta a se irritar com jornalistas Índice | Comunicar Erros |
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