São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010

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FERNANDA TORRES

Orfandade


Pela primeira vez, não tenho razões para votar no Gabeira. Fernando, você me deixou órfã

O CONTADOR e dublê de despachante de luxo Antonio Carlos Atella Ferreira, que obteve informações sigilosas do fisco com uma assinatura falsificada de Veronica Serra para entregar para alguém que ele não lembra o nome -e disse que, quando se lembrar, vai vender a informação por um bom preço-, esse gênio da falcatrua está feliz com a repercussão do caso porque deseja se eleger vereador.
É por essas e outras que uma amiga minha defende a exigência do teste psicotécnico para políticos. O horário eleitoral obrigatório assusta. A contravenção financia seus próprios candidatos, deputados de extrema direita vociferam contra os direitos humanos e corruptos de renome pregam em nome das criancinhas pobres.
Parece que a única opção do eleitor é votar contra si mesmo. Um membro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro lançou recentemente a proposta de acabar com a Lei da Cidade Limpa.
Outro grupo pretende construir um conjunto habitacional dentro do Jardim Botânico.
Psicotécnico neles!
Lamento muito que Fernando Gabeira não tenha optado por concorrer a senador. Perdemos todos. Gabeira é o sueco tupiniquim, um homem com experiência e inteligência suficientes para enfrentar o obscurantismo medieval dos corredores de Brasília.
Foi um deputado federal precioso e fez uma campanha exemplar para a Prefeitura do Rio.
Não sei se por ambição pessoal ou por ou pressão do partido, Gabeira preferiu se engajar em uma cruzada para o governo que o fez dar as mãos ao DEM.
Não conheço Sérgio Cabral. Encontrei com ele e alguns colegas na casa de Vik Muniz, para discutir a participação da cultura na recuperação do Rio. Cabral foi direto, não fez campanha nem promessas.
Encerrou com uma lista de empresas com planos para o balneário. Com elas, será possível a volta de investimentos e, nas palavras dele, da burguesia para o Estado.
Me lembrou a campanha do PSTU: "Contra Burguês, vote 16!". O carioca sabe na pele que, quando a classe média se manda, o mais grosso populismo comanda.
Cabral foi pego de calça curta na questão dos royalties do petróleo e elogiou Álvaro Lins em cerimônia na Alerj no passado, mas convocou José Mariano Beltrame para a Secretaria de Segurança ao assumir.
Beltrame remexeu o imexível: a lama primordial da aliança entre a polícia e a bandidagem. Não é hora de tirá-lo de lá.
Não se deve dar carta branca a ninguém, mas também não acho certo fazer oposição pela oposição.
Em um programa de rádio sobre o tiroteio no Hotel Intercontinental, Gabeira cobrou esclarecimentos justos sobre o incidente, mas a locutora fez parecer que a conivência entre policiais e marginais é uma prática da atual gestão. "Com Gabeira, não vai ser assim!" Será?
Não sou Sérgio, não sou Dilma, não sou Serra ou Marina. Sou eu mesma. Mas tenho um sentimento de gratidão pelas mudanças no Rio.
Pela primeira vez desde o abraço da Lagoa, não tenho razões para votar no Gabeira e não me identifico com nenhum candidato a senador.
Fernando, você me deixou órfã.


FERNANDA TORRES é atriz

AMANHÃ:
Vladimir Safatle


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