São Paulo, quarta-feira, 12 de outubro de 2011

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A santa mais brasileira

Branca ou negra? Festa de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, traz de volta debate sobre sua cor

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

Cem mil pessoas são aguardadas hoje na Basílica de Aparecida para celebrar a festa de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, símbolo maior do catolicismo no país, proclamada rainha e Padroeira do Brasil pelo Vaticano.
Um total de 400 mil hóstias foram produzidas para atender a demanda da novena, de 3 a 12 de outubro.
Os números são grandiosos, mas mesmo entre os devotos não há consenso sobre uma velha questão que diz respeito à identidade da santa e, por que não, à maneira ambígua como o brasileiro encara a questão racial: afinal, ela é branca ou negra?
Originalmente, parece não haver dúvidas. Trata-se de uma estátua de terracota que, ao tomar contato com o lodo do rio onde foi encontrada e com o lume das velas dos altares, escureceu.
A história data de 1717, quando três pescadores lançam suas redes no rio Paraíba do Sul, interior de São Paulo. Depois de horas sem nada pescar, eles colhem separadamente a cabeça e o corpo de uma estátua de Imaculada Conceição, mãe de Jesus.
A partir de então, peixes surgem em abundância. É seu primeiro milagre. O povo lhe deu o nome de Aparecida para indicar as circunstâncias misteriosas de seu achado.
O arcebispo de Aparecida e presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno, diz: "Ela parece negra, mas não é. Esta é uma leitura missionária que encontrou na cor escura uma maneira de se solidarizar com o povo escravo. É uma leitura válida, mas não tem fundamento".
E acrescenta: "Nossa Senhora Aparecida é um fator de integração racial, reunindo devotos de todas as cores e condições sociais".
Para Emanoel Araújo, diretor do Museu Afro Brasil, "diferentemente do brasileiro, que quer ser branco, a santa foi ficando negra. Para um país mestiço como o nosso, a Padroeira nacional tinha mesmo que ser negra".
E acrescenta: "O padre pode dizer que ela é branca, mas ela é negra". Emanoel tem mais de 300 imagens e estátuas da Padroeira compradas por todo o país.
Ele pretende transformar o tema em exposição no seu museu, em 2012. Há santas de pano, terracota ou faiança. Até mesmo em versão mais pop, envidraçada e emoldurada por uma tela de TV.
Estudos mostram que a associação de Nossa Senhora Aparecida com os negros é relativamente recente. Mas não há como dissociá-la da escravidão. Foi a princesa Isabel quem ofertou à santa sua coroa e o manto ornamentado no mesmo ano em que sancionou a Lei Áurea (1888).
Flávio Pierucci, professor da USP, lembra que se os pigmentos da superfície da estátua fossem retirados, ela deixaria de ser negra. "A igreja manteve a aparência da santa. A história a consolidou como ícone negro. O debate se encaixa no modo com que lidamos com a questão. Somos e não somos racistas."


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