São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O texto abaixo contém um Erramos, clique aqui para conferir a correção na versão eletrônica da Folha de S.Paulo. ELIO GASPARI Dilma, Lula, Serra, Garrincha e Sartre
DILMA ROUSSEFF, Lula e José Serra sabem que, em tempo de Copa, candidatos a presidente são pesadelos da realidade interferindo num instante de alegres fantasias. Poderiam aproveitar as próximas semanas para refletir sobre as semelhanças entre suas ansiedades e as das torcidas do "jogo bonito". Multado quatro vezes pela Justiça Eleitoral, Lula está numa situação semelhante à de Diego Maradona na Copa de 1986, durante o jogo contra a Inglaterra. Aos seis minutos do segundo tempo, o craque (1,65 m) subiu na pequena área, disputou uma bola com o goleiro Steve Hodge (1,85 m) e marcou. Maradona não cabeceou. Mais tarde, atribuiu o gol à "mão de Deus". Se tivesse ficado nisso, teria entrado para a história das infâmias esportivas. Quatro minutos depois, pegou a bola no campo argentino e correu 60 metros em dez segundos, driblando seis ingleses, inclusive o goleiro. Esse gol, considerado o melhor da história do futebol, levou-o à glória, e "a mão de Deus" tornou-se uma vinheta de pé de página. (Registre-se, com o depoimento do próprio Maradona, que teria sido fácil para os ingleses derrubá-lo com uma falta. Ele deveu o êxito a um respeito a regras que violara.) Se Dilma Rousseff for eleita, Lula terá feito a campanha do século. Se perder, será um manipulador fracassado e ela, um poste perdido. José Serra chegou ao jogo com a popularidade de Neymar e, em poucas semanas, passou a comandar uma campanha interessada em cavar faltas. Pode-se garantir que Maradona jamais passaria por uma defesa que reunisse Delúbio, Gushiken e José Dirceu. Neymar sofre faltas verdadeiras, mas nenhum time ganha campeonato cavando penalidades. Parece difícil que Serra consiga chegar ao Planalto impulsionado pelo estrondo de dossiês. A campanha eleitoral ainda não começou. Pelo que já se viu, Serra está mais para Usain Bolt (100 m em 9s68), um monstro do desempenho individual, do que para a versatilidade de Pelé. Já Dilma Rousseff, na melhor das hipóteses, assemelha-se a Coutinho, aquele jogador que fazia tabela com o Lula do Santos. Ambos têm seus planos e marquetagens. Terão os próximos quatro meses para se desvencilhar daquilo que pode ser chamado de a "dúvida de Garrincha": "O senhor combinou tudo isso com os russos?" Até agora, Lula conseguiu que "os russos" se comportassem como antevia o técnico Vicente Feola, mas isso não significa que a sopa dure até outubro. A resposta à "dúvida de Garrincha" está na "Crítica da Razão Dialética", de Jean-Paul Sartre (assim como no balcão do botequim mais próximo): "Numa partida de futebol tudo se complica pela presença do outro time". Serra e Dilma têm mais algumas semanas para jogar seus próprios jogos, complicando a vida do outro, talvez em benefício da galera. Tomara que o futebol lhes ensine a calçar as chuteiras da humildade. (Quase todas as informações deste artigo saíram do livro "Soccer and Philosophy", uma coleção de ensaios organizada por Ted Richards, um ex-jogador semiprofissionalizado, professor de filosofia na universidade do Tennessee. Levado a sério, é pedante. Como brincadeira, franga filósofos como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues.) Texto Anterior: Dilma e Marina elogiam decisão; Serra não comenta Próximo Texto: Análise/Governo: Reajuste beneficia 6% do eleitorado nacional Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |