São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2010

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JANIO DE FREITAS

As fichas na mesa


É indispensável dar início a medidas que sustem a degradação da política e da administração pública


A POSSIBILIDADE de que o Supremo Tribunal Federal libere os candidatos de ficha suja é real, ainda que não seja segura nenhuma das diferentes notícias sobre a posição de cada ministro.
Mas não há dúvida de que em todas as classes sociais, em todo o país, a grande maioria, mais do que deseja, anseia pela aplicação da Lei da Ficha Limpa já nestas eleições. A contradição não se limita, porém, a esperáveis interpretações jurídicas pelo adiamento da lei e, de outra parte, a posição quase unânime da população.
Em síntese, os integrantes do STF vão definir-se sobre a aplicação ou não da Ficha Limpa, "lei de iniciativa popular" aprovada neste ano, em relação ao preceito de que leis não podem incidir sobre fatos anteriores à sua vigência. Matéria jurídica. Uma vez decidida pela votação no STF, ponto final.
Mas o terceiro componente da questão não é menos vigoroso: há necessidade de algo como a Ficha Limpa, imediata, necessidade urgente. É indispensável dar início a medidas que sustem a degradação da política e da administração pública. A falta de qualquer contraposição a esse processo, que vem de décadas, acelerou-o e o trouxe a um ponto em que a vida pública já se faz em um pântano.
A própria Lei da Ficha Limpa é como uma comprovação desesperada da realidade repugnante: a lei só existe porque nasceu dos que estão fora do pântano, nem na política, nem na administração pública. Todas as frequentes alterações da legislação eleitoral, nas quais se conjugaram congressistas e governos, trataram de preservar as causas, os meios e os fins da degradação política. Tanto na sua prática, como na deteriorante composição humana. E assim também preservaram e ampliaram a irrigação, por esse caldo fétido, da administração pública.
O que esperar ainda diante da degradação que todos veem? Quem pode assegurar que o país não está nos limites finais da possibilidade de alguma contenção, para tentar um processo retroativo?
O desenrolar das eleições proporciona uma visão do que já se passa como consequência do pântano da política e da administração pública. A duas semanas do encerramento da campanha eleitoral, o descaso dos eleitores -uma recusa consciente e nauseada- não tem equivalente nos nossos anais desde a República. Nada de espontâneo, de voluntarioso, acontece nas ruas e nas praças, em relação às eleições. Nas rodas pessoais, nenhum toque eleitoral sobrevive a mais de duas ou três frases desmaiadas. O eleitorado não está nas eleições. Sabe dela, tem seus votos porque há de tê-los, mas não é parte. E deveria ser a principal, no entanto.
Caminha-se no rumo contrário à politização, por superficial que seja. Força-se a distância entre o país e os fundamentos de uma cultura política capaz de torná-lo, no futuro promissor que se avizinha, menos sujeito a se fazer conduzir por demagogias e marquetismos.


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