São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2011

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ELIO GASPARI

A rodoviária do Rio não é Greta Garbo


Ninguém lembra por que a divina sueca acabou no Irajá, mas o terminal dos ônibus precisa de muito mais debate

O PREFEITO DO RIO de Janeiro, Eduardo Paes, e o governador Sérgio Cabral precisam conversar, porque um dos dois não sabe em que cidade vive. O alcaide anunciou que pretende transferir a rodoviária que está na zona do porto para o bairro do Irajá, a 18 quilômetros de distância. Já o governo do Estado tem um projeto para a reconstrução do terminal existente, sobre o qual seriam erguidas três torres.
Pelo cheiro da brilhantina, a ideia de revitalizar o terminal é a melhor. Primeiro, porque insere-se na iniciativa de melhoramentos da zona portuária da cidade. Além disso, está perto de uma ferrovia. Sempre que se fala em mudar de lugar um serviço público que atende a 1,1 milhão de pessoas por mês, deve-se desconfiar que há algum interesse em mandar a patuleia para longe.
Uma rodoviária no centro nervoso da cidade pode ser uma conveniência. A vitalidade de Manhattan deve muito ao fato de as estações centrais de trens e ônibus estarem no coração da ilha.
O terminal rodoviário da rua 42 é o mais movimentado do mundo e é o mais movimentado do mundo porque a cidade batalhou, abrindo túneis e fazendo obras para mantê-lo ali. Ele serve a 4,5 milhões de passageiros por mês. A cidade cresceu olhando para o movimento do seu povo.
Há pouco houve em São Paulo uma grande discussão em torno da localização de uma estação de metrô no bairro de Higienópolis. Alguns demófobos queriam mandar para outro lugar uma parada de trem que levaria "gente diferenciada" para o pedaço. Felizmente, perderam. A transferência da rodoviária para o Irajá levaria a "gente diferenciada" para longe do "Porto Maravilha", um projeto em que os governos do Estado e da cidade derramam milhões de reais de toda a população.
Nas cidades onde a política de transportes públicos presta atenção à "gente diferenciada", os terminais de ônibus e trens são sempre servidos pelo metrô. No Rio, isso não acontece. Não se trata apenas de escolher entre um lugar e outro. Será preciso comparar os custos das duas integrações. A atual Linha 2, que vai para o Irajá, não foi projetada para suportar o movimento de passageiros atraídos por uma rodoviária.
O terminal do Irajá pode levar progresso ao bairro, mas também pode degradá-lo, como a rodoviária Novo Rio contribuiu para a degradação da zona portuária. Os argumentos até agora apresentados pelo prefeito têm generalidades demais e números de menos. Discutindo-os, com estudos e estatísticas sobre a mesa, a cidade melhorará, aprendendo a se ver como é.
O Rio de Janeiro padece de hiperurbanismo. Em vez de se deixar a cidade crescer em paz, adaptando as políticas públicas ao seu desenho natural, a cada geração, redesenha-se tudo.
Ao tempo de d. João 6º surgiu a ideia de se fazer uma Cidade Nova, direcionando-se o centro para São Cristóvão. Passaram-se 205 custosos projetos, mas o Rio cresceu em direção ao sul e para lá não foi.
Nos anos 70, fez sucesso uma peça intitulada "Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá". A Divina acabou, muito bem, em Nova York. No Irajá, vivia um Pedro que sonhava ser ela. A rodoviária pode ir para lá, mas, ao contrário de Greta Garbo, deve-se saber por quê.


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