São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2010

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Monteiro Lobato queria negociar petróleo

Cartas técnicas trocadas com amigo suíço mostram a relação do escritor com companhias estrangeiras do setor

Textos não ofuscam seu nacionalismo, mas mostram que escritor não defendia o petróleo só para os brasileiros

MARCELO BORTOLOTI
DO RIO

Entre 1934 e 1937, o escritor Monteiro Lobato se correspondeu intensamente com um engenheiro de petróleo suíço chamado Charles Frankie. As cartas, recheadas de termos técnicos, trazem pouco de literatura mas são bastante reveladoras sobre o lado empresarial do escritor.
Frankie morava no Brasil e prestava serviços para a empresa alemã Piepmeyer & Co. Embora haja raras referências a ele nos livros e biografias de Lobato (1882-1948), o suíço foi um importante parceiro, tanto como consultor técnico dos livros "O Escândalo do Petróleo" (1936) e "O Poço do Visconde" (1937), como sócio numa empresa de prospecção petrolífera.
As 113 missivas trocadas entre ambos são objetos de estudo das pesquisadoras Kátia Chiaradia e Marisa Lajolo, no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.
O que sua análise levantou até o momento é algo inesperado: a intimidade de Monteiro Lobato com os alemães poucos anos antes da 2ª Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo em que o escritor criticava a interferência de empresas americanas na exploração do petróleo no Brasil, ele pretendia utilizar capital germânico em empreendimentos na área.
A novidade surpreende porque Lobato até hoje é considerado por grupos nacionalistas como o precursor da campanha "O Petróleo é Nosso" e como o intelectual que lançou as sementes para a criação da Petrobras.
Embora as cartas não cheguem a ofuscar sua imagem de nacionalista aguerrido, elas mostram que a lógica do escritor não passava pela defesa incondicional do petróleo para os brasileiros, como ficou ligado à sua imagem.
"Ele era um empresário, que estava interessado em quem desse condições para explorar o petróleo no Brasil", diz Chiaradia.
As cartas chegaram às mãos da pesquisadora por acaso. Ela lecionava numa escola da cidade de Holambra, em São Paulo, quando recebeu de um de seus alunos uma pasta que pertencia ao avô, Charles Frankie.
No conjunto havia 74 cartas escritas por Monteiro Lobato, nas quais ele se mostra um empresário explosivo, chama o então presidente Getúlio Vargas de "Getúlio Gelatina", por ceder às pressões estrangeiras, e demonstra um caráter centralizador no comando de sua companhia de petróleo.
"Não botei big shots na diretoria; botei gente que me acompanhe cegamente e não discuta", escreveu.

GESTOR FRACASSADO
Em 1935, Lobato tentou se associar à companhia Piepmeyer & Co, com sede na Alemanha, para garantir financiamento e tecnologia às suas iniciativas no país.
Naquele ano, escreveu ao amigo: "Meu empenho nesta questão provém de querer dar a S. Paulo a primazia da montagem, com o financiamento alemão, da indústria petrolífera no Brasil".
Na mesma época, tentou montar com Frankie e com o alemão J. W. Winter, ambos da Piepmeyer, uma nova empresa de exploração. "A nossa Cia. de Petróleo Limitada, com um contrato de financiamento de Piepmeyer para perfurações e refinaria, ficará um negócio tremendo", escreveu. Nenhum dos projetos vingou.
Os fracassos empresariais de Lobato eram uma constante. Quando jovem, ele herdou uma enorme propriedade rural no município de Taubaté, mas se desfez das terras. Montou uma grande editora que faliu em 1925. Apostou na bolsa de Nova York e perdeu tudo na crise de 1929. Teve três companhias de petróleo mas nunca furou um poço rentável.
Só conseguiu ganhar dinheiro, de fato, com seus livros infantis. Mas morreu pobre num apartamento emprestado, em São Paulo.

SABOTAGEM
Lobato acreditava na existência de grandes jazidas petrolíferas no país e criou sua primeira empresa na área, a Companhia Petróleos do Brasil, em 1932. Pelas dificuldade que encontrou em levar o negócio adiante, o escritor abriu uma guerra pública contra o governo.
No livro "O Escândalo do Petróleo", ele defende que a exploração do produto é uma questão de soberania nacional e denuncia o Departamento Nacional de Produção Mineral por se vender aos interesses do grupo americano Standard Oil. Segundo ele, os americanos infiltravam técnicos no órgão para brecar a descoberta do petróleo no Brasil, e compravam terras para fazer reserva de mercado no país.
Para Lobato, além de não perfurar por conta própria, o governo sabotava a iniciativa privada negando financiamento, criando embaraços legais e emitindo pareceres técnicos equivocados.
O escritor também lançou o livro infantil "O Poço do Visconde", em que narra a descoberta de petróleo no sítio de Dona Benta, contrariando os interesses das companhias multinacionais.


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