|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Monteiro Lobato queria negociar petróleo
Cartas técnicas trocadas com amigo suíço mostram a relação do escritor com companhias estrangeiras do setor
Textos não ofuscam seu nacionalismo, mas mostram que escritor não defendia o petróleo só para os brasileiros
MARCELO BORTOLOTI
DO RIO
Entre 1934 e 1937, o escritor Monteiro Lobato se correspondeu intensamente
com um engenheiro de petróleo suíço chamado Charles
Frankie. As cartas, recheadas
de termos técnicos, trazem
pouco de literatura mas são
bastante reveladoras sobre o
lado empresarial do escritor.
Frankie morava no Brasil e
prestava serviços para a empresa alemã Piepmeyer & Co.
Embora haja raras referências a ele nos livros e biografias de Lobato (1882-1948), o
suíço foi um importante parceiro, tanto como consultor
técnico dos livros "O Escândalo do Petróleo" (1936) e "O
Poço do Visconde" (1937), como sócio numa empresa de
prospecção petrolífera.
As 113 missivas trocadas
entre ambos são objetos de
estudo das pesquisadoras
Kátia Chiaradia e Marisa Lajolo, no Instituto de Estudos
da Linguagem da Unicamp.
O que sua análise levantou
até o momento é algo inesperado: a intimidade de Monteiro Lobato com os alemães
poucos anos antes da 2ª
Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo em que o
escritor criticava a interferência de empresas americanas
na exploração do petróleo no
Brasil, ele pretendia utilizar
capital germânico em empreendimentos na área.
A novidade surpreende
porque Lobato até hoje é considerado por grupos nacionalistas como o precursor da
campanha "O Petróleo é Nosso" e como o intelectual que
lançou as sementes para a
criação da Petrobras.
Embora as cartas não cheguem a ofuscar sua imagem
de nacionalista aguerrido,
elas mostram que a lógica do
escritor não passava pela defesa incondicional do petróleo para os brasileiros, como
ficou ligado à sua imagem.
"Ele era um empresário,
que estava interessado em
quem desse condições para
explorar o petróleo no Brasil", diz Chiaradia.
As cartas chegaram às
mãos da pesquisadora por
acaso. Ela lecionava numa
escola da cidade de Holambra, em São Paulo, quando
recebeu de um de seus alunos uma pasta que pertencia
ao avô, Charles Frankie.
No conjunto havia 74 cartas escritas por Monteiro Lobato, nas quais ele se mostra
um empresário explosivo,
chama o então presidente
Getúlio Vargas de "Getúlio
Gelatina", por ceder às pressões estrangeiras, e demonstra um caráter centralizador
no comando de sua companhia de petróleo.
"Não botei big shots na diretoria; botei gente que me
acompanhe cegamente e não
discuta", escreveu.
GESTOR FRACASSADO
Em 1935, Lobato tentou se
associar à companhia Piepmeyer & Co, com sede na Alemanha, para garantir financiamento e tecnologia às
suas iniciativas no país.
Naquele ano, escreveu ao
amigo: "Meu empenho nesta
questão provém de querer
dar a S. Paulo a primazia da
montagem, com o financiamento alemão, da indústria
petrolífera no Brasil".
Na mesma época, tentou
montar com Frankie e com o
alemão J. W. Winter, ambos
da Piepmeyer, uma nova empresa de exploração. "A nossa Cia. de Petróleo Limitada,
com um contrato de financiamento de Piepmeyer para
perfurações e refinaria, ficará um negócio tremendo",
escreveu. Nenhum dos projetos vingou.
Os fracassos empresariais
de Lobato eram uma constante. Quando jovem, ele
herdou uma enorme propriedade rural no município de
Taubaté, mas se desfez das
terras. Montou uma grande
editora que faliu em 1925.
Apostou na bolsa de Nova
York e perdeu tudo na crise
de 1929. Teve três companhias de petróleo mas nunca
furou um poço rentável.
Só conseguiu ganhar dinheiro, de fato, com seus livros infantis. Mas morreu pobre num apartamento emprestado, em São Paulo.
SABOTAGEM
Lobato acreditava na existência de grandes jazidas petrolíferas no país e criou sua
primeira empresa na área, a
Companhia Petróleos do Brasil, em 1932. Pelas dificuldade que encontrou em levar o
negócio adiante, o escritor
abriu uma guerra pública
contra o governo.
No livro "O Escândalo do
Petróleo", ele defende que a
exploração do produto é uma
questão de soberania nacional e denuncia o Departamento Nacional de Produção
Mineral por se vender aos interesses do grupo americano
Standard Oil. Segundo ele, os
americanos infiltravam técnicos no órgão para brecar a
descoberta do petróleo no
Brasil, e compravam terras
para fazer reserva de mercado no país.
Para Lobato, além de não
perfurar por conta própria, o
governo sabotava a iniciativa
privada negando financiamento, criando embaraços
legais e emitindo pareceres
técnicos equivocados.
O escritor também lançou
o livro infantil "O Poço do
Visconde", em que narra a
descoberta de petróleo no sítio de Dona Benta, contrariando os interesses das companhias multinacionais.
Texto Anterior: MPs são 45% de tudo que a Câmara aprova Próximo Texto: Frases Índice | Comunicar Erros
|