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Dilmoteca básica
Eleita não tem autor favorito, gosta de Proust e faz "estoque" de livros
FERNANDO RODRIGUES
DE BRASÍLIA
No início deste ano, numa
das sessões de entrevistas
que concedeu à Folha, Dilma
Rousseff falava sobre suas
preferências no futebol. Declarou-se fã do Atlético, em
Minas Gerais, e do Internacional, no Rio Grande do Sul.
Recordou-se de sua primeira vez no Maracanã, no
Rio, em 1969. Um jogo do Flamengo. Estava na clandestinidade. "Eu fiquei assim
abestalhada com as bandeiras. Você já viu as bandeiras?", perguntou e já respondeu: "É de perder o fôlego".
Mas foi uma memória seletiva. Não se lembrava do placar nem contra quem o Flamengo jogava. Com quem estava? Nenhuma lembrança.
Começou então a falar sobre como as imagens vão se
colando -ou não- na memória das pessoas. "Eu fico
pensando se sou eu ou se todo mundo é assim. Você sabe
que eu nunca havia me lembrado disso até hoje?", disse.
A recordação veio porque
a conversa era para compor
um perfil biográfico. Naquele
instante, esporte e cultura
popular dominavam a entrevista. Foi quando ela citou
suas referências literárias.
"Sobre a memória, quem
tem razão era o [Marcel]
Proust. Ele falava do sabor e
do odor, dois sentidos primitivos que suportam um edifício imenso da recordação".
Descreveu o trecho do romance "Em Busca do Tempo
Perdido", publicado no início do século passado, no
qual Proust fala de comer
madeleines e tomar chá -e
como o cheiro e o sabor desencadeiam recordações.
De todas as diferenças
entre a presidente eleita,
Dilma Rousseff, e o seu antecessor, Luiz Inácio Lula
da Silva, uma das mais
marcantes é sólida formação literária da próxima
ocupante do Palácio do
Planalto.
Não há um autor favorito na prateleira de Dilma.
"Depende da fase", diz.
"Em matéria de poesia, eu
gosto do João Cabral de
Melo Neto, muito". Aí cita
Cecília Meireles, Fernando
Pessoa e completa: "Agora, eu consigo além disso
gostar do Bashô. Sabe
quem é Bashô?".
Com prazer, ela mesma
responde: "Foi um monge
japonês que inventou o
haicai". A lista de citações
não para. "Gosto apaixonadamente de uma mulher chamada Emily Dickinson, "a senhora de Amherst". Não tenho "um" gosto. Depende. Gostei do
Proust para mais de metro.
Agora, também adorei, aos
13 anos, quando meu pai
me deu o Jorge Amado".
O que de Jorge Amado?
"Foi "Capitães da Areia" ,
"São Jorge dos Ilhéus", todos os outros. Amei de paixão o Machado de Assis,
mas também o Monteiro
Lobato. A Emília, o Pedrinho, a Narizinho, o Visconde, a Cuca."
Começa um diálogo sobre
como dá trabalho manter
uma biblioteca arrumada. No
início deste ano, Dilma cogitava comprar uma casa para
guardar o seu acervo.
"Eu compro muito livro,
sempre mais do que consigo
ler. Tenho aquela teoria de
que estou fazendo um estoque. Que um dia vai chegar
uma hora que eu vou ler. Então, vai que naquele momento eu não tenha condição de
comprar? Vai que aconteça
alguma coisa e eu não tenha
condição de ficar comprando
livro? Então, eu estoco."
Ainda como ministra de
Lula, participou de uma viagem à China. "Enchi a paciência do embaixador para
me dizer qual era o romance
chinês equivalente aos romances nossos. Qual é o
Charles Dickens deles. Qual
era o Balzac, o Flaubert, o
Shakespeare."
Trouxe para o Brasil um romance chinês, traduzido para o inglês. Leu com dificuldades. Três volumes. "Mas o
diabo não era isso. Eram os
nomes das personagens".
Como assim? "Temos uma
baixíssima familiaridade
com nomes chineses", explica. Para chegar até o final e
conseguir não se perder no
meio da trama, uma estratégia: "Você anota todos os nomes [próprios] num papel para não se perder totalmente".
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