São Paulo, domingo, 28 de novembro de 2010

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Na ditadura, Dilma deu aulas de política

Presidente eleita tinha tarefa de coordenar operários e ensinar a trabalhadores para "doutrinar o proletariado'

Relato sobre a atuação consta de processo que estava trancado no STM; depoimentos confirmam os relatos

LUCAS FERRAZ
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA

A mulher que vai suceder o presidente-metalúrgico a partir de janeiro teve, entre outras atribuições, a responsabilidade de atuar na coordenação operária e dar aulas de política a trabalhadores nas organizações da esquerda armada que integrou.
Do final de 1966 até ser presa pela repressão, em janeiro de 1970, a hoje presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), ensinou política acreditando que só "a doutrinação do proletariado" poderia mudar o país e que isso deveria ser feito paralelamente à luta armada contra a ditadura.
Em 1969, quando já estava em São Paulo integrando o comando da VAR-Palmares (uma das organizações da esquerda armada), Dilma esteve próxima ao "proletariado (...) ministrando aulas de marxismo-leninismo".
O relato consta do processo sobre a atuação de Dilma no regime militar, que estava trancado no Superior Tribunal Militar e foi liberado após três meses de disputa judicial travada pela Folha.
Os cursos, que ocorriam em salas de universidades ou em "aparelhos" (onde se escondiam os militantes), compreendiam ainda a exposição de lutas políticas como as revoluções russa, cubana e chinesa -modelos para a esquerda brasileira à época.
Além das aulas, Dilma colaborou com um jornal chamado "O Piquete", editado pelo setor operário e estudantil da Colina (Comando de Libertação Nacional), a segunda das organizações de esquerda em que a presidente eleita militou.
Mas as ideias da petista sobre a doutrinação do operariado eram antigas.

O INÍCIO
Documentos mostram que Dilma comandava aulas de política quando ainda morava em Belo Horizonte e era da Polop, sua primeira organização de esquerda.
O contato de Dilma com o comunismo, segundo companheiros de escola e juventude, se deu em 1965, quando ela ainda tinha 17 anos.
Depoimentos de colegas de militância descrevem a futura presidente como a responsável pelo "operariado". Em entrevistas à Folha na semana passada, eles confirmaram a participação de Dilma nessas atividades.
Documento do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, de maio de 1970, cita Dilma como "coordenadora dos setores operário e estudantil" da VAR-Palmares.
"Dilma sempre acreditou que a base da política é a mobilização social. Ela nunca apoiou o militarismo", disse à Folha Apolo Heringer, 67 anos, médico que foi colega dos primeiros anos de militância, em BH.
Ele foi professor de comunismo de Dilma, dando à jovem as primeiras lições sobre materialismo histórico, luta de classes, história do operariado e, quase lugar comum à época, a crise do capitalismo.
"Ela amadureceu muito cedo, era uma pessoa muito centrada. E nunca foi da esquerda festiva. Estava sempre lendo e estudando", completou Apolo. Ele critica a colega, hoje, por ser "desenvolvimentista demais", esquecendo, segundo ele, o meio ambiente.
Ageu Heringer, 61, irmão de Apolo, foi um dos alunos de Dilma na época. Os irmãos, contudo, não pregavam a luta armada. Ageu refere-se às aulas como "discussões políticas".

"SENSO DE HUMOR"
"Ela era muito afetuosa e tinha um grande senso de humor". Já naqueles anos, conta ele, Dilma tinha como característica um "senso de autoridade e profundidade", que foi sua marca durante o governo Lula.
"Ela passa a fazer esse trabalho quando começa a ser o suporte do comando nacional da organização", afirmou à reportagem Amilcar Baiardi, antigo militante, atualmente professor na Universidade Federal da Bahia.
Os papéis arquivados no STM mostram que, ao lado de uma colega militante, Dilma ministrou "dois cursos de capacitação política marxista para uma célula do setor operário" da VAR-Palmares. "Tal curso", completa o documento, "teve a duração aproximada de dois meses".
O operariado sempre foi um tema caro à esquerda. Desde a publicação do "Manifesto Comunista", de Karl Marx e Friedrich Engels, em 1848, toda e qualquer revolução socialista, com ou sem armas, se tornou indissociável do "proletariado".

CRÍTICAS
No Brasil da década de 1960, todas as organizações clandestinas da esquerda pregavam a tomada do poder -derrubando os militares- com a participação dos trabalhadores. Algumas eram mais militaristas do que outras e defendiam a tomada do poder pela luta armada.
O presidente Lula, em declarações feitas entre 1978 e 1980, criticava o modelo de atuação das organizações de esquerda na ditadura, como a desenvolvida por Dilma.
"A esquerda no Brasil sempre usou o nome da classe trabalhadora, mas nunca teve a classe trabalhadora", disse Lula em depoimento presente no livro "Lula, o início", do jornalista Mário Morel, publicado em 1981.


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