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Na ditadura, Dilma deu aulas de política
Presidente eleita tinha tarefa de coordenar operários e ensinar a trabalhadores para "doutrinar o proletariado'
Relato sobre a atuação consta de processo que estava trancado no STM; depoimentos confirmam os relatos
LUCAS FERRAZ
MATHEUS LEITÃO
DE BRASÍLIA
A mulher que vai suceder o
presidente-metalúrgico a
partir de janeiro teve, entre
outras atribuições, a responsabilidade de atuar na coordenação operária e dar aulas
de política a trabalhadores
nas organizações da esquerda armada que integrou.
Do final de 1966 até ser
presa pela repressão, em janeiro de 1970, a hoje presidente eleita, Dilma Rousseff
(PT), ensinou política acreditando que só "a doutrinação
do proletariado" poderia mudar o país e que isso deveria
ser feito paralelamente à luta
armada contra a ditadura.
Em 1969, quando já estava
em São Paulo integrando o
comando da VAR-Palmares
(uma das organizações da esquerda armada), Dilma esteve próxima ao "proletariado
(...) ministrando aulas de
marxismo-leninismo".
O relato consta do processo sobre a atuação de Dilma
no regime militar, que estava
trancado no Superior Tribunal Militar e foi liberado após
três meses de disputa judicial
travada pela Folha.
Os cursos, que ocorriam
em salas de universidades ou
em "aparelhos" (onde se escondiam os militantes), compreendiam ainda a exposição de lutas políticas como as
revoluções russa, cubana e
chinesa -modelos para a esquerda brasileira à época.
Além das aulas, Dilma colaborou com um jornal chamado "O Piquete", editado
pelo setor operário e estudantil da Colina (Comando
de Libertação Nacional), a
segunda das organizações de
esquerda em que a presidente eleita militou.
Mas as ideias da petista sobre a doutrinação do operariado eram antigas.
O INÍCIO
Documentos mostram que
Dilma comandava aulas de
política quando ainda morava em Belo Horizonte e era da
Polop, sua primeira organização de esquerda.
O contato de Dilma com o
comunismo, segundo companheiros de escola e juventude, se deu em 1965, quando
ela ainda tinha 17 anos.
Depoimentos de colegas
de militância descrevem a futura presidente como a responsável pelo "operariado".
Em entrevistas à Folha na semana passada, eles confirmaram a participação de Dilma nessas atividades.
Documento do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de São Paulo, de
maio de 1970, cita Dilma como "coordenadora dos setores operário e estudantil" da
VAR-Palmares.
"Dilma sempre acreditou
que a base da política é a mobilização social. Ela nunca
apoiou o militarismo", disse
à Folha Apolo Heringer, 67
anos, médico que foi colega
dos primeiros anos de militância, em BH.
Ele foi professor de comunismo de Dilma, dando à jovem as primeiras lições sobre
materialismo histórico, luta
de classes, história do operariado e, quase lugar comum à
época, a crise do capitalismo.
"Ela amadureceu muito
cedo, era uma pessoa muito
centrada. E nunca foi da esquerda festiva. Estava sempre lendo e estudando",
completou Apolo. Ele critica
a colega, hoje, por ser "desenvolvimentista demais",
esquecendo, segundo ele, o
meio ambiente.
Ageu Heringer, 61, irmão
de Apolo, foi um dos alunos
de Dilma na época. Os irmãos, contudo, não pregavam a luta armada. Ageu refere-se às aulas como "discussões políticas".
"SENSO DE HUMOR"
"Ela era muito afetuosa e
tinha um grande senso de
humor". Já naqueles anos,
conta ele, Dilma tinha como
característica um "senso de
autoridade e profundidade",
que foi sua marca durante o
governo Lula.
"Ela passa a fazer esse trabalho quando começa a ser o
suporte do comando nacional da organização", afirmou
à reportagem Amilcar Baiardi, antigo militante, atualmente professor na Universidade Federal da Bahia.
Os papéis arquivados no
STM mostram que, ao lado de
uma colega militante, Dilma
ministrou "dois cursos de capacitação política marxista
para uma célula do setor operário" da VAR-Palmares. "Tal
curso", completa o documento, "teve a duração aproximada de dois meses".
O operariado sempre foi
um tema caro à esquerda.
Desde a publicação do "Manifesto Comunista", de Karl
Marx e Friedrich Engels, em
1848, toda e qualquer revolução socialista, com ou sem
armas, se tornou indissociável do "proletariado".
CRÍTICAS
No Brasil da década de
1960, todas as organizações
clandestinas da esquerda
pregavam a tomada do poder
-derrubando os militares-
com a participação dos trabalhadores. Algumas eram
mais militaristas do que outras e defendiam a tomada do
poder pela luta armada.
O presidente Lula, em declarações feitas entre 1978 e
1980, criticava o modelo de
atuação das organizações de
esquerda na ditadura, como
a desenvolvida por Dilma.
"A esquerda no Brasil sempre usou o nome da classe
trabalhadora, mas nunca teve a classe trabalhadora",
disse Lula em depoimento
presente no livro "Lula, o início", do jornalista Mário Morel, publicado em 1981.
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