São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2010 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
FERNANDA TORRES Propaganda e marketing
JAMAIS COMPREENDI o direcionamento populista do marketing de José Serra. No primeiro turno, levei um choque quando assisti a uma cena em que o candidato do PSDB se sentava no sofá de uma senhora singela para ouvi-la falar a respeito de um problema de saúde no olho. "Depois desse olho, a senhora perdeu o outro olho?" Perguntava ele. A enferma, então, ameaçava chorar e Serra abraçava-a com dó, pedindo que não se emocionasse porque, senão, ele se emocionaria junto. Só faltou o violino cigano. Um especialista em linguagem do corpo afirmou, logo no início do primeiro turno, que o tucano passava a ideia de que sabia do que estava falando, mas não se importava com o próximo. Talvez opiniões como essas tenham-no levado a gravar cenas tão lacrimosas. Quando Marina deu o segundo turno de presente para a oposição, achei que o populismo seria deixado de lado em prol de uma mensagem mais adulta e objetiva. Ledo engano. Serra continuou exalando bondade enquanto abria seu programa de forma sensacionalista, demonizando Dilma e rebatendo com o mesmo dólar furado as acusações de entreguismo feitas ao governo FHC pelo PT. O público percebe quando está sendo tratado como criança. Há duas semanas, recebi por e-mail um depoimento contundente postado por Hélio Bicudo via internet. Nele, o bacharel em direito e fundador do PT chamava a atenção para os exageros partidários de Lula, para a ameaça à liberdade de expressão e pedia que a população, por meio de seu voto, se posicionasse contra um partido que coloca seus interesses acima dos da nação. O time de Serra devia ter poupado o trabalho e transmitido as palavras de Bicudo no ar, em looping, no horário eleitoral. A equipe de Dilma também fez a caveira dos tucanos, mostrou sua candidata visitando casebres, brincando com o cachorro e conversando com desamparados, mas sempre como pano de fundo. O grande trunfo do programa do PT -além da luz caprichada, do custo superior e do auxílio luxuoso de Lula- foi uma entrevista extremamente bem produzida em que a candidata petista se dirigia a um arguidor oculto. Editada de Dilma para a própria Dilma, a peça publicitária lhe dava tempo de exprimir suas ideias sem sofrer com o que parece ser uma dislexia verbal que apresenta em público, de pausar sem que parecesse branco, de não ser agressiva como exigem os debates nem sorridente "pede voto". A impressão de intimidade, criada com a longa conversa e os silêncios para reflexão, destacava a personalidade grave de Dilma e a ajudava a formar uma imagem de serenidade digna de um presidente. Em um ano, a ex-ministra foi maternal, severa, irritável, boa, beata, vítima, algoz, seguiu o norte das pesquisas e, perseverante, enfrentou a via crucis eleitoral como poucas vezes se viu na história deste país. Se as previsões se confirmarem nesta noite de domingo, depois de tantas metamorfoses ambulantes, talvez a própria Dilma descubra com o eleitorado quem é a mulher que hoje se torna presidente. FERNANDA TORRES é atriz AMANHÃ EM ELEIÇÕES: Vladimir Safatle Texto Anterior: Piauí: Martins lidera disputa que pregou fim do "voto de cabresto" Próximo Texto: Folha e UOL seguem apuração ao vivo Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |