São Paulo, sábado, 09 de fevereiro de 2002

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Lições de filosofia

Três Tempos sobre a "História da Loucura"
Jacques Derrida - Michel Foucault
Organização: Maria Cristina Franco Ferraz
Tradução: Pedro Leite Lopes e outros
Relume Dumará (Tel. 0/xx/21/2564-68969)
151 págs., R$ 25,00

Essa coletânea contém a crítica de Derrida a Foucault, de 1963, a resposta deste publicada quase dez anos depois e, por fim, a transcrição de uma nova conferência feita por Derrida em que ele retoma, em 1991, após a morte de Foucault, seus argumentos iniciais contra a "História da Loucura".
A abordagem que a "História da Loucura na Idade Clássica" dispensa à passagem sobre a loucura na primeira meditação cartesiana constitui, para Derrida, um ponto exemplar do fracasso do projeto foucaultiano. Trata-se da relação entre silêncio e loucura, tendo em vista a dificuldade de instaurar um discurso sobre bases outras que o lógos clássico. Derrida adverte que o reconhecimento dessa dificuldade não implica sua superação e é aí que Foucault teria se deixado enganar em sua arqueologia.
Para Foucault, a primeira meditação cartesiana teria se defrontado com o impasse dado pela impossibilidade de abordar a loucura de forma outra que como desvio, como exceção, objetivo de sua própria obra. Por sua vez, Derrida entende que a idéia da loucura em Descartes representa apenas uma estratégia retórica orientada por uma intenção pedagógica, que supõe o interlocutor ingênuo e, acrescenta, ele jamais teria se disposto a analisar a loucura em si mesma. Por isso, nunca chegou de fato a se defrontar com a impossibilidade de dizê-la.
Ainda assim, permanece irrespondida a indagação de Foucault (formulada em sua defesa de 1972) em que ele ressalta o espaço irrisório dedicado à sua leitura das "Meditações" na "História da Loucura": como se pode descartar o empenho de toda uma obra com base em uma discussão que ocupa tão-somente três páginas?

Nietzsche e o Círculo Vicioso
Pierre Klossowski
Tradução: Hortencia S. Lencastre
Pazulin (Tel. 0/xx/21/2225-2215)
299 págs., R$ 31,00

Klossowski apresenta uma leitura muito particular de Nietzsche: ele o lê como um autor visionário em relação aos descaminhos da história da cultura, mas também no que se refere à sua própria história pessoal. Enfatiza-se tanto o comentário das vivências pessoais que acompanham Nietzsche em cada transformação do seu pensamento quanto o sentido político de sua filosofia, uma análise bipolar que alterna interpretações psicanalíticas e crítica social. O elo de ligação entre os dois pontos de vista assenta na palavra: ponto de convergência entre o "desvio" psicológico e a chamada doença da civilização. As dificuldades encontradas por Nietzsche para construir um discurso crítico que se isentasse do comprometimento intrínseco a toda linguagem desembocam, por fim, no surto que o deixou afásico. Para Klossowski, a doença de Nietzsche não tem, portanto, um significado meramente psicológico, é consequência da recusa em assentir aos preceitos de uma cultura decadente já embutidos em todo tipo de discurso. A genialidade, na qualidade de rompimento com a mediocridade dos ditames sociais, somente poderia se expressar como neurose, signo da vitória dos fracos. Nietzsche teria, ele próprio, vivenciado a inversão dos valores. Daí a preferência do livro pela correspondência e pelos escritos de Nietzsche voltados para a auto-reflexão. O texto serve como antídoto às leituras "psicologizantes" do criador da idéia do eterno retorno, ao mesmo tempo em que, ao salientar o sentido político de sua obra, rechaça as interpretações de teor cientificista.

Peregrinações
Jean-François Lyotard
Tradução: Marina Appenzeller
Estação Liberdade (Tel. 0/xx/11/3661-2881)
110 págs., R$ 17,00

O relato autobiográfico surge, neste livro, como uma lição de reflexão filosófica apta a ler os autores clássicos sob a perspectiva das exigências do presente histórico. Lyotard extrai de sua interpretação de Kant a convicção de que o ato de pensar sempre se volta para algo já pensado, sendo que pensamento algum pode ser dito estritamente "original". Essa idéia justifica a necessária remissão aos clássicos para a compreensão do atual estado de coisas. Além de Kant, Nietzsche, Marx, Hölderlin e Hegel (entre outros autores) fornecem o arcabouço teórico para a explicação de seu incômodo com as correntes marxistas de então. Dividido em quatro partes e redigido numa linguagem que dispensa o academicismo, o texto é instigante, fluido e erudito. Inicia-se com o relato de Lyotard sobre sua escolha por uma profissão e termina com um texto de 1982, que critica o marxismo.

THELMA LESSA DA FONSECA



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