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As análises do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre o poder político ocidental
Dentro e fora da lei
Homo Sacer - O Poder
Soberano e a Vida Nua
Giorgio Agamben
Tradução: Henrique Burigo
Editora UFMG
(Tel. 0/xx/31/3499-4650)
214 págs., R$ 25,00
MILTON MEIRA DO NASCIMENTO
Juntamente com "Notas sobre a Política" e "O que Resta de Auschwitz", "Homo Sacer" faz parte de uma trilogia desse
pensador italiano que é professor de filosofia na Universidade de Verona e que
vem se destacando como uma das mais
importantes expressões da filosofia européia dos últimos 15 anos.
"Homo sacer" é uma figura do direito
romano arcaico para designar alguém
que foi julgado pelo povo e condenado
por algum delito, mas que não pode ser
sacrificado, e quem o matar não comete
homicídio. É sob essa categoria que Giorgio Agamben desenvolve uma análise
magistral da política ocidental, e não é dizer demais considerar que seu trabalho
nos obriga a repensar todos os conceitos
que estiveram na base da reflexão moderna e contemporânea sobre a política, o direito e as tecnologias políticas de inserção
dos indivíduos no mundo da cidade ou
no chamado Estado de direito. Essa
"mais antiga acepção do termo "sacer"
nos apresenta o enigma de uma figura do
sagrado aquém ou além do religioso, que
constitui o primeiro paradigma do espaço político do Ocidente".
O "homo sacer" será várias vezes definido como uma vida matável, ou simplesmente vida nua, que não merece ser
vivida, que se localiza sempre numa zona
de indiferenciação, fora do espaço jurídico-político e, ao mesmo tempo, enquadrado por ele. Ou seja, o homem sacro está ao mesmo tempo dentro e fora do espaço jurídico-político e não é, como pensaram tantos antropólogos, uma figura
ambígua que pode ser tomada ora como
sagrado, ora como maldito, fasto e nefasto. Para Agamben, é muito mais do que
isso, porque o seu lugar é sempre flutuante e de indiferenciação.
Resta identificar, na tradição filosófica,
política e jurídica as metamorfoses dessa
vida sacra e os mecanismos que a criam e
recriam incessantemente.
Tudo começa com o processo de politização da vida doméstica que, na Antiguidade grega, era separada da vida da "pólis". Retomando as análises de Michel
Foucault, em "A Vontade de Saber",
Agamben afirma que é fundamental
identificar na modernidade os passos pelos quais a vida natural começa a ser incluída nos cálculos do poder do Estado e
"a política a se transformar em 'biopolítica'". Foucault não conseguiu desenvolver
todas as implicações desse conceito,
"mas, em todo caso, o ingresso da "zoé"
(vida natural) na esfera da "pólis", a politização da vida nua como tal constitui o
evento decisivo da modernidade, que assinala uma transformação radical das categorias político-filosóficas do pensamento clássico.
É provável, aliás, que, se a política parece hoje atravessar um duradouro eclipse,
isso se dê precisamente porque ela se eximiu de um confronto com esse evento
fundador da modernidade".
O paradoxo da modernidade -que
elege o indivíduo, sua vida e liberdade,
como os elementos fundamentais que
precisam ser preservados ou protegidos
pelo poder público- é que, no mesmo
movimento pelo qual ele obtém proteção, sua entrega total ao Estado dá a este
um poder ilimitado sobre a sua vida.
Basta uma análise do conceito de soberania para se perceber, agora do lado do
exercício do poder soberano, ou dentro
dele mesmo, uma das facetas do "homo
sacer", isto é, a característica mesma da
soberania, que se afirma, na definição da
Karl Schmitt, como o poder legal de suspender a validade da lei, criando, assim, o
Estado de exceção. Desse modo, o soberano está ao mesmo tempo dentro e fora
do ordenamento jurídico, numa zona de
indiferenciação, que lhe permite situar-se
dentro e fora da lei.
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