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Os princípios estéticos do crítico Clement Greenberg
Feita em casa
Estética Doméstica
Clement Greenberg
Tradução: André Carone
Cosac & Naify
(Tel. 0/xx/11/3218-1444)
286 págs., R$ 32,00
JEAN GALARD
Durante um quarto de século, a
partir da Segunda Guerra Mundial, o crítico norte-americano
Clement Greenberg emitiu juízos
categóricos sobre a arte de seu
tempo e sobre a arte do passado.
Seu papel foi de primeira ordem,
tanto para influenciar a cotação
de certos artistas quanto para
provocar polêmica a respeito de
seus veredictos. Donde vinha seu
poder? Sobre que saber, sobre
qual dom, sobre que doutrina ou
sobre que qualidades pessoais sua
autoridade estava fundada?
No Brasil, dispõe-se, desde 1996,
de uma coletânea de textos críticos de Greenberg, sob o título
"Arte e Cultura" (Ática). A "clareza do olhar" de Greenberg foi então celebrada, ao mesmo tempo
em que era observado um certo
"dogmatismo" do autor ("Jornal
de Resenhas", nš 22). Pouco depois, em 1997, apareceu oportunamente a obra coletiva "Clement
Greenberg e o Debate Crítico"
(Zahar), cuja primeira seção reproduz alguns textos teóricos do
próprio Greenberg, permitindo
entrever as razões possíveis de
seus juízos peremptórios. Permanecia entretanto muito difícil captar o sistema de pensamento que
legitimava posicionamentos tão
drásticos.
Hoje estamos mais esclarecidos.
"Estética Doméstica" se apresenta
como uma exposição estruturada
das reflexões teóricas de Greenberg. Na verdade, no que concerne à primeira parte, trata-se mais
uma vez de ensaios sucessivos
(1972-1979). Mas estes são a retomada refletida de um seminário
em nove seções, organizado pelo
Bennington College, Vermont,
em 1971. Janice van Horne Greenberg confiou em 1999 à Oxford
University Press a edição agrupada dos ensaios já publicados, assim como das nove intervenções
até então inéditas do seminário,
cada qual seguida da discussão de
Greenberg com seu público. É este conjunto apaixonante, aparecido em inglês sob o título "Homemade Esthetics", que está agora
disponível em português.
A experiência do valor
Estamos enfim na presença do
sistema de pensamento de Clement Greenberg? Estamos de
posse da chave de seus juízos artísticos? Dizê-lo seria exagerar,
por duas razões. De um lado, ele
mesmo escolheu, para sua exposição vindoura, esse título modesto:
uma estética "feita em casa", isto
é, "bricolada" artesanalmente, de
modo pessoal, não ambicionando
ser promulgada em praça pública.
De outro lado, a idéia de elaborar
um sistema conceitual é de todo
contrária às intenções de Greenberg.
Um dos temas principais da exposição, com efeito, é que os juízos estéticos não podem ser comprovados nem demonstrados. Para Greenberg, a experiência da arte é, em essência, a experiência do
valor. Porém, essa experiência
consiste em juízos de valor intuídos, não ponderados. Os critérios
do juízo estético não podem ser
articulados, postos em palavras
ou conceitos, não podem ser comunicados. "Só podem ser conhecidos por meio de seu afeto".
Uma tal atitude anticonceitual poderia, em outros críticos, conduzir a
uma posição subjetivista e mesmo desacreditar de antemão
qualquer recurso ao discurso.
Aliás Greenberg resvala esta posição quando escreve: "Nenhum
juízo de valor de outra pessoa pode modificar ou deslocar o nosso".
Mas a recusa do subjetivismo é
o outro grande tema desenvolvido neste livro. O juízo estético repousa sobre o "gosto". Ora, para
Greenberg não pode haver dúvida
sobre esse ponto: o gosto não é
subjetivo, o gosto tem que ser objetivo. Sem esse pressuposto, diz
ele, "passamos a aceitar absurdos".
Segundo Greenberg, a questão
da objetividade do gosto infelizmente sempre foi evitada desde
Kant. A própria noção de gosto
foi abandonada, até rejeitada por
certos artistas, considerada como
irrelevante. No entanto, diz ele, o
gosto continua a ser decisivo. Sua
objetividade torna-se mesmo cada vez mais manifesta, entre o público culto, à medida que as razões não-estéticas (religiosas, políticas, nacionais, morais) do juízo
perdem sua influência. Com uma
fé inabalável na objetividade do
gosto, Greenberg vai até a estimar
que, se realmente formos atentos
às obras, o acordo prevalecerá
sempre sobre o desacordo, como
testemunha a durabilidade dos
juízos: "A objetividade do gosto
está incontestavelmente provada
pela presença de um consenso e
por intermédio dele no decorrer
do tempo".
Princípios e juízos
É a partir dessa "teoria", tão
simples, para não dizer rudimentar, que Greenberg justifica seus
juízos resolutamente favoráveis
às obras de Jackson Pollock ou de
Hans Hofman, como suas condenações inapeláveis de Marcel Duchamp ou de Jasper Johns. Certamente o livro é abundante em
considerações múltiplas. Boa parte delas são agudas, esclarecedoras, brilhantemente expostas, por
exemplo, sobre o "fator surpresa", sobre o "distanciamento estético", sobre a relação entre convenção e inovação ou entre "arte
formalizada e arte crua", sobre a
vanguarda e o academicismo. Entretanto, o que há de mais surpreendente nesse livro é a coabitação (a coexistência doméstica,
poder-se-ia dizer) de princípios
tão frágeis e juízos tão robustos.
Tudo se passa, aliás, como se o
próprio autor tivesse como fim tirar a limpo esse enigma. Sob o
efeito da sedução dessas páginas,
acabamos às vezes por perguntar
se Greenberg, "muito simplesmente", não tem razão.
Se olharmos paciente e assiduamente as obras de arte, se lhes
prestarmos atenção longa e autenticamente, talvez sejamos arrebatados pela evidência de sua exata qualidade. E, se estivermos então no reino da evidência, não haverá necessidade, com efeito, de
demonstrações nem de conceitos
e não haverá lugar tampouco para
duvidar da objetividade de nosso
juízo.
O problema é que Greenberg vai
muito longe no uso das "evidências". Elas lhe permitem estabelecer hierarquias definitivas entre
obras que tudo separam, suas
épocas respectivas principalmente. Por exemplo, mesmo colocando Pollock muito alto na escala de
valores, ele não tem nenhuma dúvida quanto ao fato de que "o
"Três de Maio", de Goya, é melhor
do que qualquer coisa que Pollock
pudesse pintar". Parece-lhe entretanto que há Ticianos e Goyas
ruins que Pollock supera. Ele sabe
("eu sei") que um bom David
Smith poderia estar na companhia de Donatello. Juízos são assim decretados, classificações estabelecidas em virtude de um gosto de que Greenberg é o feliz detentor e que deveríamos todos
partilhar, já que é objetivo, se
exercêssemos melhor nosso
olhar, numa familiaridade mais
constante com as obras de arte.
Certamente hoje é fácil mostrar-se irônico diante dos juízos de
Greenberg. Ele não soube, não
pôde, não quis tirar as medidas da
arte pop, do minimalismo, da arte
conceitual. Tudo foi dito sobre
suas cegueiras, seus "partis pris",
seu vínculo esclerosado ao modernismo. É preciso ter em mente
essas fraquezas para apreciar o
profundo interesse de "Estética
Doméstica".
Ao longo dessas páginas, um
drama discretamente se desenrola. Quando o seminário de Bennington teve lugar, Greenberg tinha 62 anos. É pouco para alguém
que iria viver mais 23 anos. Mas é
muito para um crítico que está
prestes a perder sua autoridade.
Em 1971, Greenberg começava a
ser ultrapassado pelos acontecimentos. "Estética Doméstica" faz
pensar nos gestos de um sitiado
que se entrincheira em suas últimas fortalezas.
A segunda parte do livro dá
mais claramente essa impressão,
porque o texto é mais próximo da
improvisação e principalmente
porque o debate com frequência
parece a ponto de confundir o especialista. As questões do auditório são atribuídas ao "público",
sem outra precisão, como se interlocutores desconhecidos se
emprestassem a mesma máscara
anônima para, um por vez, embaraçar Clement Greenberg, às vezes deixá-lo em maus lençóis.
Tom socrático
Há com frequência um tom socrático nesses diálogos, mas aqui
são os discípulos que fazem observar ao mestre que ele parece ter
caído em contradição. Essa situação em que se acha Greenberg incita-o às vezes a conclusões brutais. Por exemplo, devendo reconhecer que uma moldagem realizada por Jasper Johns era arte
realmente, ele acrescenta: "Mas
não era uma arte muito boa, e
ponto final".
Mais frequentemente ele confessa a dificuldade que tem em se
explicar, apesar de toda a eloquência de que dá provas aliás.
Invoca sua intuição, mas confessa
que não sabe traduzi-la em termos verbais. Teme a um só tempo
ser mal compreendido e repetir o
que já se sabe. Tem o sentimento
de estar simultaneamente diante
de um "truísmo" e de um "mistério".
Greenberg é um combatente
sem armas. É desprovido de argumentos, de provas e mesmo de
palavras adequadas. Ao mesmo
tempo, não quer renunciar às evidências do gosto. Nisso, seu esforço é patético. E seu combate é estimável. No fundo, pode-se ter, em
estética, uma posição mais honesta? Nele, o recurso é aliás frequente às virtudes morais, à coragem, à
sinceridade.
O seminário propriamente dito,
que ocupa a segunda parte da
obra, é dividido em nove seções
intituladas "Primeira Noite", "Segunda Noite" etc. Mais que aos
diálogos platônicos, pensa-se então nas "Mil e Uma Noites", e o
leitor, sem respirar, pergunta-se
quanto tempo Sheherazade-Greenberg vai lograr manter em
suspenso sua história do modernismo. Não se tem nenhuma vontade de ouvir, ao fim da nona noite, algum rei do pós-modernismo
replicar-lhe por sua vez: "E ponto
final".
Gostaríamos apenas que Greenberg fosse menos ligado às hierarquias, menos preocupado em
enunciar juízos e veredictos, que
deixasse pacificamente suceder
outras histórias, sem ter a obrigação de logo se pronunciar sobre o
valor delas. Mas já não seria
Greenberg. Reticências...
Jean Galard é ensaísta e autor, entre
outros livros, de "A Beleza do Gesto"
(Edusp).
Tradução de Franklin de Mattos.
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