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O império dos signos
A Arte Depois das Vanguardas
Ricardo Nascimento Fabbrini
Ed. da Unicamp (Tel. 0/xx/19/ 3788-7728)
230 págs, R$ 45,00
NELSON AGUILAR
"A Arte Depois das Vanguardas" edifica o museu imaginário da contemporaneidade. O autor faz seu o divisor de águas estabelecido por Achille Bonito Oliva que detecta na obra dos por ele nomeados transvanguardistas
"um patrimônio histórico", "o ecletismo estilístico e o nomadismo das citações, com a reapropriação da subjetividade, não épica, mas ironicamente
fragmentária e doméstica". Quando o rio atinge o declive pronunciado, Ricardo Fabbrini instala sua Itaipu graças à engenharia de Jean-François Lyotard para quem "a presença pictórica hoje" é "sempre lembrança".
A partir desses marcos, tudo o que acontece depois dos anos 70 articula-se
nos diferentes relacionamentos da arte com a tradição e que se espelham em
séries. Não há casos, só exemplos pinçados entre os que lidam com a rememoração. A história da arte moderna tem um caminho real, inequívoco, que
vai de Manet a Matisse, no caso, a Merz ou LeWitt. Agora estamos diante da
história plural, disponível para o artista pós-vanguardista a partir de sua capacidade de citar e para o codificador da atualidade de signos: expressionistas, matéricos, paródicos, conceituais e outros, conforme a procedência da
menção.
Na vanguarda pós-guerra, desenha-se um tratado de Tordesilhas que separa a experimentação norte-americana, caracterizada por considerar a arte
como atividade específica, da européia, na qual é exigida a inserção no contexto social, cobrado o boletim ideológico. Nos anos 80, gira o cenário. Ao
contrário dos valores universalistas sustentados pelo modernismo, que
transcende os "modi operandi", surge o reenvio à cultura particular de cada
país como possibilidade expressiva apta a escapar da tirania da história universal. Nesse sentido, Fabrinni leva em conta as origens nacionais das homologias artísticas para estabelecer seu quadro sígnico.
Há dois erros que depõem contra o ardil da pós-vanguarda de combater o
internacionalismo dos anos dourados modernistas pela afirmação de poéticas nativas. O escocês Eduardo Paolozzi é tomado por italiano (pág. 105) e o
inglês Bill Woodrow por americano. Não são desconhecidos do circuito artístico brasileiro. O Museu de Arte Contemporânea (USP) traz em seu acervo "Ídolo Hermafrodita", 1962, de sir Eduardo Paolozzi, que participou da 7ª
Bienal Internacional de São Paulo (1963). O escultor seria um precursor do
signo pop-gestual, pelo seu robô andrógino que lembra andróides clássicos
da filmografia de ficção científica ("O Dia em que a Terra Parou", de Robert
Wise, 1951), captando menos um fantasma da revolução industrial e mais
um resquício de sonho pré-adolescente figurado nos comics. A porosidade
de estereótipos machistas e feministas acompanha a produção de seus autômatos. Recorre a imagens pré-fabricadas. Já Bill Woodrow, indiciado pelo
signo conceitual, trabalha preferencialmente com o "objet trouvé" chegando ao "ready-made" assistido.
Na exposição "Arte Amazonas", ocorrida no MAM-RJ, organizada por Alfons Hug tendo por horizonte a Eco 92, o artista inglês, durante estágio em
Porto Velho, interessa-se pelos instrumentos do garimpo no rio Madeira.
Apropria-se de uma draga desativada, recorta-a em cinco partes criando
uma paisagem orográfica em ferro velho. Instala em cima de uma das pontas
um cadeado de ouro, ligando o fim aos meios, com perspicácia, em sintonia
com a escola britânica do cinema documental, e batiza o conjunto "Moments of Desire".
Entre as múltiplas citações que preenchem o mosaico pós-vanguardista
erigido por Fabbrini, comparece o famoso sanitário de Marcel Duchamp na
instalação de Hans Haacke, "Êxtase de Baudrichard", 1988, em que o objeto
banhado a ouro jaz sobre uma mesa de passar roupa conectado a tubos de
borracha que entram e saem de um balde de bombeiro repleto de água o que
permite a constante irrigação da "fonte" (págs. 138-40). A peça fez parte da
exposição "Artfairismes" (jogo de palavras que condensa arte e negociatas),
realizada sob a curadoria de Jean-Hubert Martin, no Centro Georges Pompidou, em 1989.
A análise do ensaísta incide sobre o ready-made inaugural de Duchamp
que criticaria o novo circuito museológico através de complexa rede de metáforas (mesa/pedestal, urinol/ouropel...). Escapa-lhe, no entanto, o objetivo
central do artista alemão, óbvio no título, alusivo ao nome do teórico do simulacro, Jean Baudrillard, e ao famigerado "êxtase da comunicação". Haacke cria um circuito contínuo que apenas troca a mesma água simulando o
efeito da nova ideologia francesa que questiona o poder, a instituição, o establishment retornando sempre a um ponto neutro sem verificar a eficácia de
cada caso. Opõe ao êxtase da comunicação de Baudrillard, aqui chamado
Baudrichard (trocadilho com o pejorativo "Richard", "ricaço"), a comunicação ativa defendida por Jurgen Habermas, em prol de uma sociedade menos manipulada pelo consumo.
Para pertencer à pós-vanguarda, são necessárias a memória e a citação.
Fabbrini povoa alguns signos com artistas brasileiros: Nuno Ramos ocupa o
ramal matérico; Regina Silveira, o conceitual; Ângelo Venosa, Leonilson e
Adriana Varejão, o corporal. Podemos contribuir com Beatriz Milhazes, voltada ao ornamental. Todavia o signo de origem, excessivamente implantado
por Bonito Oliva, teria poucos candidatos nativos uma vez que carece de
uma "denominazione di origine controlatta e garantita", tal como um Barolo ou um Brunello e que só medra sob os nomes de Chia, Clemente, Paladino, Mangione e Cucchi.
O signo expressionista também carrega forte conotação local; o pop gestual pode dar conta do jovem Paulo Monteiro. Quanto ao geométrico, não
consegui captar seu funcionamento pelo exemplo dado, pois Richard Serra,
se coubesse em alguma rubrica, se imbricaria tanto no corporal quanto no
matérico. O regional parece talhado para o Museo del Barrio de Nova York
nascido sob a égide do multiculturalismo. Sérgio Ferro disputaria em igualdade de condições com Carlo Maria Mariani o paródico. E, para o signo da
luz, recruta-se no Videobrasil.
Há, a despeito de um caráter lúdico, algo de lúgubre no veredicto de Lyotard: "A pintura que comenta vai bem e a estética que invoca a presença originária está moribunda". Essa declaração de princípios evacua a necessidade de obra e valoriza somente a referência. Se o mundo artístico se converte
em ilustração, para que o embate sensível com as formas? Um exemplo entre
muitos: não se pode apreciar um óleo de Paladino sem conhecer sua manifestação física, as dimensões da tela, a coleção. Talvez a transvanguarda dê
uma idéia falsa de si mesma, mas um dos seus como Enzo Cucchi trabalha
com o arquiteto Mario Botta, preocupado com o espaço de irradiação do desenho.
Há de se destacar na "Arte Depois das Vanguardas" o prefácio de Leon
Kossovitch em grande forma no estilo epidítico.
Nelson Aguilar é professor de história da arte na Universidade Estadual de Campinas e curador-geral
da 4ª Bienal do Mercosul.
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