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São Paulo, sábado, 10 de maio de 2003

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o golpe e o cálculo

Uma interpretação clássica sobre 1964


O Cálculo do Conflito
Wanderley Guilherme dos Santos
Ed. UFMG
(Tel. 0/ xx/31/3499-4650)
396 págs., R$ 42,00


FÁBIO WANDERLEY REIS

Tenho me empenhado para que haja, nas ciências sociais brasileiras, o debate real de idéias, incluindo a crítica autêntica de publicações, em vez dos elogios ocos ao trabalho dos amigos ou do mero confronto de vaidades e das brigas pessoais. O convite para resenhar este livro de Wanderley Guilherme dos Santos coloca minha disposição à prova de modo especial, tendo em vista as características do livro e a estima que me merece o autor (por quem fui mesmo honrado com a inclusão de meu nome, junto dos de outros colegas, na dedicatória de um volume anterior, que é agora incorporado ao atual).
Os méritos de "O Cálculo do Conflito" são bem claros e condizentes com a reputação de Wanderley Guilherme dos Santos como um dos mais destacados cientistas sociais do país. Em particular, cabe salientar o atrevimento teórico que orienta o esforço de pensar o Brasil (e que transforma o país em caso ou instância de regularidades de operação mais ampla), em contraste com a abdicação "idiográfica" e histórico/ jornalística de muito do que se faz em nossas ciências sociais. Além disso, esse atrevimento, diferentemente de certas imagens associadas entre nós à idéia de teoria como uma espécie de jogo "etéreo" e, no limite, ocioso, se articula diretamente com a busca de amarração empírica, e o volume é marcado pela utilização laboriosa, sistemática e criativa de dados empíricos. Substantivamente, por outro lado, o livro, empenhado em última análise na explicação dos eventos de 1964, sem dúvida ajuda a iluminar diversos aspectos relevantes da dinâmica político-institucional brasileira do último meio século, em particular no que se refere ao Congresso e ao sistema partidário, bem como a crise que culmina no golpe e na implantação do regime militar.
Mas os problemas do livro são vários. Para começar, este é um livro "difícil". Por certo aspecto, trata-se de uma dificuldade "boa", a do trabalho complexo e denso, que advém da aceitação do desafio da reflexão teórica e da busca de seu respaldo empírico. Mas nem todas as dificuldades são virtuosas, e provavelmente as maiores não o são. As dificuldades negativas podem talvez ser resumidas num déficit de precisão e rigor, em certa "frouxidão", que surge como desconcertante, dado o empenho científico do autor, envolvendo mesmo esforços de formalização, e que se manifesta em diversos planos.
Passemos por alto o desleixo que Wanderley Guilherme dos Santos se permite quanto à linguagem: dos barbarismos de inspiração inglesa, como o insistente "assumir" usado como sinônimo de "supor", até a sintaxe com alguma frequência desatenta e ocasionalmente arrevesada, a exigir decifração pelo leitor. Se tomamos o tratamento e a apresentação dos dados (às vezes afetados negativamente já pela própria linguagem descuidada: veja-se, na pág. 244, a ininteligível interpretação do significado do índice de fracionalização nominal), a frouxidão ocorre, por um lado, em coisas de menor importância, como o repetido uso ritualista e impróprio de coeficientes de significação estatística (que dizem respeito a erro amostral e expressam a probabilidade de que determinadas observações se devam a ele) em circunstâncias em que os dados processados não são amostras de nenhum "universo" que se possa precisar.


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