São Paulo, sábado, 10 de outubro de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice A dança das quase-verdades
NEWTON FREIRE-MAIA
A ciência "revolucionária" dos gênios muda as "verdades" imperantes na época e tem muito de "criação", elemento sabidamente fundamental nas artes. A criação, a inspiração e a iluminação existem tanto na ciência quanto na arte, apenas variando, como diz Jacob, a proporção com que elas entram no processo de elaboração das obras artísticas ou científicas. As grandes e revolucionárias teorias não brotam, já feitas, dos dados; pelo contrário, transcendem aos dados e surgem das cabeças dos cientistas (método hipotético-dedutivo). Os astrônomos só descobriram que a luz das estrelas distantes se encurva ao passar perto do Sol depois que a teoria da relatividade geral, de Einstein, disse que isso deveria acontecer. As teorias é que abrem as portas do conhecimento profundo e modificam as visões de mundo. Todavia elas não podem ser provadas. Nunca podemos saber se correspondem exatamente à realidade. Se explicam bem os fenômenos, então passam a ser aceitas como as "verdades" do momento. Mas outras teorias também poderiam fazê-lo. A verdade da ciência é a verdade da explicação científica, diz o Padre Lima Vaz. Se explica bem, a teoria é aceita como verdadeira. Na realidade, ela é uma quase-verdade, no sentido de Newton da Costa, isto é, uma verdade pragmática. Poderá mudar se outra se mostrar mais quase-verdadeira. Dessa forma, vagamos, em ciência, no meio de quase-verdades, nunca sabendo se, de fato, encontramos a verdade plena e absoluta, a verdade correspondencial. Esta nos escapa, pois não dispomos de critério para identificá-la como tal. A ciência é, sim, uma das tentativas permanentes de encontrá-la, mas, quando a encontra (se é que a encontra alguma vez), não sabe como identificá-la. As teorias que aceitamos atualmente passaram por testes que seriam capazes de falseá-las (Popper). Se não as falsearam, são aceitas como verossímeis e quase-verdadeiras, sempre sujeitas a testes futuros ainda capazes de refutá-las. E assim, com exceção das proposições muito simples, vagamos de quase-verdade em quase-verdade, numa dança praticamente infinita feita de trabalho, paciência, crença e esperanças... Quando, numa tradução, se encontram erros ou confusões, surge a dificuldade de se saber se decorrem do autor ou do tradutor. É preciso certo cuidado para distinguir (quando possível) um do outro. Por exemplo, na pág. 68, quando o autor fala de "linhagens de ratos consanguíneos", acho que o erro possa ser dele mesmo, que deveria dizer "linhagens isogênicas", que são provenientes de uniões consanguíneas muito próximas, tais como pais-filhas e mães-filhos. Na pág. 93, no entanto, diz-se que somos "priminhos dos grandes macacos". Aqui, já acho que o erro é da tradutora, pois ali deveria estar "petits cousins", que significa primos distantes. Sem me preocupar com essa distinção entre autor e tradutora, gostaria apenas de lembrar outros erros ou deslizes: a generalizada confusão entre óvulo e ovo (por exemplo, na pág. 47); a confusão entre rato e camundongo no livro todo (e até no título); a definição tautológica de seleção natural (pág. 83); a confusão entre parentesco e consanguinidade (por exemplo, nas págs. 44-45); a informação de que o conceito de "terreno" decorre dos desenvolvimentos da genética humana (pág. 102); a identidade de "malformação" com distúrbio (pág. 104); a informação de que, em genética humana, não se pode recorrer à "genética clássica" (pág. 115); a informação de que o DNA foi descoberto por Watson e Crick (pág. 114); a referência a "conselho genético" em vez de aconselhamento (pág. 120); a desinformação de que Darwin e Wallace tenham proposto a "teoria da evolução", quando o genial trabalho de ambos foi sobre a teoria da seleção natural (pág. 140); a referência aos vírus como "agentes filtradores" (pág. 143); etc. etc. etc. O autor não faz agradecimentos a outras pessoas que poderiam ter lido o texto original e feito pequenas correções; tudo leva a crer que não houve essas pessoas. Em suma, trata-se de um livro muito interessante, bem escrito e importante. Mas, obviamente, poderia ser melhor. Newton Freire-Maia é professor emérito do departamento de genética da Universidade Federal do Paraná e autor, entre outros, de "A Ciência por Dentro" (Vozes). Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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