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O novo contrato social
O Futuro por Armar -
Democracia e Socialismo
na Era Globalitária
Tarso Genro
Vozes (Tel. 0/xx/24/273-5112)
160 págs. R$ 13,00
CELSO FREDERICO
"Não há nenhuma possibilidade
à vista de substituir o capitalismo
pelo socialismo, é preciso ter claro
que todos os projetos socialistas
faliram e as social-democracias
estão à beira da bancarrota." A
partir dessa constatação, gravitam os ensaios do novo livro de
Tarso Genro, que propõe uma estratégia para se chegar ao socialismo no interior e por meio das instituições democráticas.
Lembra o autor que o marxismo, em suas origens, nasceu na
esteira da segunda revolução industrial. O desenvolvimento das
forças produtivas, ao ser travado
pelas relações de produção, criou
a necessidade de ruptura revolucionária para que o progresso social pudesse seguir em frente. A
transição para o socialismo estava, assim, posta pela base daquela
base material: de um lado, o Estado como guardião da propriedade e, de outro, um proletariado
concentrado nas grandes fábricas.
O partido revolucionário, idealizado por Lênin, foi o instrumento político para tomar de assalto o
Estado e, a partir dele, planejar a
produção social. Para Genro, foi
justamente a identificação classe
operária-partido-Estado a responsável pela desagregação do
socialismo. A hipertrofia do aparelho estatal e o aniquilamento da
sociedade civil sufocaram o socialismo e levaram a classe operária a
desinteressar-se por aquele partido-Estado que, teoricamente, a
representava.
Paralelamente, ocorreu a crise
da social-democracia. A concessão de benefícios não criou "novas instituições" do Estado (estruturas institucionais sólidas para
garantir os direitos sociais), e seus
beneficiários, exigentes em suas
cobranças e apáticos politicamente, tornaram-se apenas objetos da
ação estatal. A crise fiscal, minguando os recursos das políticas
públicas, e a globalização, impondo o barateamento da mão-de-obra, golpearam a social-democracia.
O Estado ampliado
As duas experiências trazem para primeiro plano a reflexão sobre
o Estado e a necessidade de um
novo contrato social. O Estado
moderno, ao legalizar o conflito e
atender às demandas operárias
por intermédio do direito trabalhista, mostrou ser algo mais do
que um aparelho repressivo a serviço do capital. Instituiu direitos
coletivos, transformando o operário em cidadão.
Seguindo Gramsci, o autor fala
em "Estado ampliado": nas sociedades desenvolvidas, o momento
hegemônico tende a superar a
simples coerção. Não se trata,
portanto, de tomar de assalto o
poder do Estado para colocá-lo a
serviço do socialismo: a estratégia
do confronto deve ceder lugar à
ampliação dos direitos de cidadania. O socialismo é uma extensão
da democracia.
Também a sociedade civil conheceu modificações que levaram
Genro a concluir que "as bases de
sustentação da esquerda, inspiradas nas condições modernas da
segunda revolução industrial, desapareceram (...). A fonte do poder é cada vez menos a fábrica
propriamente dita, os conflitos fabris, heróicos e desestabilizadores
da ordem não subvertem mais
nenhuma ordem. Só podem tender para o corporativismo...". Essa afirmação abre caminho para o
autor repensar a política.
As transformações em curso
mudaram o perfil da classe operária: o trabalho deixa de ser criador
de valor; os setores de ponta da
classe se deslocam para os setores
informatizados; o emprego não é
a forma jurídica predominante
etc. Com isso, deduz o autor, não
faz mais sentido pensar a emancipação por meio do "ponto de vista de classe". O processo histórico
teria hoje, ao lado do proletariado
industrial, novos atores que não
se sentem representados. O "ponto de vista de classe" precisa ser
substituído por uma plataforma
mais ampla.
No novo contexto, as classes subalternas precisam mudar sua
forma de atuação. O Estado e a sociedade civil sofreram modificações que trouxeram uma crise nas
formas de representação e legitimação. Trata-se de uma verdadeira "crise civilizatória": a sociabilidade inaugurada pelo modernismo cedeu lugar ao individualismo
exacerbado e ao "apartheid", que
ameaçam transformar os cidadãos em consumidores "diferenciados" e condôminos protegidos
pela auto-segregação espacial das
cidades.
A política, consciente da crise de
representação, deve buscar um
novo lugar de atuação: a esfera
pública não-estatal (os conselhos
de saúde, de orçamento participativo etc). Ela, diz Genro, é um lugar "público" que não é Estado e,
ao mesmo tempo, não é um lugar
"civil". Local de conflito e negociação em que o interesse geral e o
corporativo se encontram, a esfera pública não-estatal consagra a
democracia direta. A combinação
desta com a democracia representativa cria uma situação de
aprendizagem social, de radicalização, acenando para uma "utopia", que o autor teima em chamar de socialismo.
A ousadia de Tarso Genro há
muito vem sendo criticada. Infelizmente, tais críticas permanecem na esfera doutrinária. Talvez
fosse mais producente sair do discurso epistemológico e voltar a
atenção para a crítica ontológica,
que contrasta os fatos novos postos pela vida com a teoria que pretende explicá-los.
Assim, o leitor pode constatar o
caráter abstrato do livro que, salvo referências localizadas, poderia ter sido escrito em qualquer
um daqueles países incluídos no
"Ocidente" de Gramsci. Essa
orientação intelectual recalca os
aspectos "orientais" e bárbaros de
nossa sociedade: não há uma palavra sobre a "tradição" de golpes
militares, dominação oligárquica
e a rede do narcotráfico presente
em todas as instâncias de poder; a
questão agrária não resolvida até
hoje etc.
Quanto à combinação da democracia direta com a representativa, a experiência recente convida
a refletir sobre impasses. A dualidade de poderes, em vez de "corrigir" a democracia, pode, no limite, favorecer a ação de "lobbies" e grupos corporativos que se
sobrepõem à representação universal, tornando inviável o funcionamento das instituições.
Por outro lado, a defesa do "Estado ampliado" tem como principal referência o agonizante Welfare State. O recente encolhimento dos Estados nacionais e sua
completa submissão ao capital financeiro internacional problematizam as formas de ação. Na visão
politicista-juridicista do autor, a
economia política não ocupa o lugar que lhe é de direito. E, sem ela,
fica impossível equacionar a
questão nacional.
Celso Frederico é professor da Escola de
Comunicações e Artes da USP e autor, entre
outros, de "Lukács, um Clássico do Século
20" (Moderna).
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