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São Paulo, sábado, 12 de abril de 2003

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Coleção divulga o ofício do designer entre nós

Design à brasileira


Coleção Textos Design
Organizador: Claudio Ferlauto
Ed. Rosari
(Tel. 0/xx/11/5571-7704)

ANA LUISA ESCOREL

O lançamento da série "Textos Design", pela editora Rosari, traz à lembrança os livrinhos publicados em co-edição pelo Studio Vista e pela Reinhold Publishing Corporation que, de meados de 60 a meados de 70 do século passado, faziam o encanto de qualquer jovem que pretendesse polir o conhecimento sobre design. Pequenos, quadráticos, projetados com apuro gráfico, alguns extremamente instigantes tanto no tema quanto no aspecto visual, outros mais simples, todos, no entanto, sempre consistentes, com textos claros e diretos, típicos do pragmatismo anglo-saxônico, cada novo lançamento era esperado com ansiedade pelos aficionados do design, em todos os países em que a atividade alcançara alguma expressão.
Na série escrevia gente como John Lewis ("Typography - Basic Principles"), os três integrantes do núcleo inicial do "Pentagram", Alan Fletcher, Colin Forbes e Bob Gill -uma das equipes mais bem-sucedidas e mais bem orientadas do design internacional-, como James Sutton ("Signs in Action"). Os assuntos variavam. Da tipografia, abordada pelos mais diferentes ângulos, à reflexão sobre os recursos da arte cibernética, naquele momento uma mera virtualidade ("The Computer in Art", Jasia Reichardt).
Por longos anos, publicações estrangeiras como as do Studio Vista e da Reinhold Publishing Corporation, assim como outras, ajudaram a suprir as lacunas das primeiras escolas brasileiras de design. Tipografia, por exemplo, ou se aprendia lendo os mestres ingleses -Stanley Morison, Oliver Simon, John Lewis, Herbert Spencer- ou não se aprendia. Até porque os especialistas franceses, sempre excessivamente literários, punham tais circunvoluções em seus textos que o foco tendia a se esbater, diluído em considerações laterais. Os tipógrafos de língua alemã, por sua vez -Jan Tischold, Émil Ruder-, a que se tinha acesso nas traduções para o inglês, eram geralmente autores de textos mais extensos e complexos que não cabiam no didatismo leve dos livrinhos do Studio Vista e da Reinhold.
Noutro tempo e noutro tom, os lançamentos parecem ter o mesmo objetivo de contribuir para o aprimoramento da formação profissional, tentando, ao mesmo tempo, divulgar um ofício sobre o qual continua pairando um leque de equívocos em nosso país. Bastaria esse propósito para que folheássemos os volumes da coleção "Textos Design", dirigida por Claudio Ferlauto, com respeito e carinho.
Os cinco primeiros títulos trazem uma amostra expressiva do movimento que começa a tomar corpo entre nós, de refletir "à brasileira" sobre temas que, de uma forma ou de outra, incidem sobre o amplo universo do design. Mais como os autores franceses, menos do que os de língua inglesa e alemã, os textos da coleção tendem para enfoques abrangentes, detendo-se pouco nos aspectos propriamente técnicos das várias possibilidades de que dispõem os designers para organizar seu discurso.
Assim é que, dos cinco títulos, três são mais gerais e apenas dois limitam seu campo a temas precisos. Destes últimos, por sua vez, só o de Claudio Rocha, "Projeto Tipográfico, Análise e Produção de Fontes Digitais" (126 págs., R$ 28,00), reproduz o tipo de abordagem minuciosa e eminentemente técnica de escritos semelhantes, habitualmente publicados no Primeiro Mundo, que tanta falta fazem à produção brasileira de informações sobre design.

Temas múltiplos
Seguro de seu assunto, Claudio Rocha desliza por questões relativas à história, à classificação e à anatomia do tipo, num texto agradável que contorna habilmente a proverbial dureza do assunto. A leitura é um prazer e sairão dela mais informados do que entraram até mesmo aqueles que há anos transitam por essa literatura. Um dos bons serviços prestados pelo autor é o de trazer para o português termos do jargão tipográfico referentes à constituição das letras, desvendando um mundo fechado, quase intransponível para quem, não tendo nascido em país de língua inglesa, compreensivelmente se confunde com designações nem sempre reveladas pelos dicionários, como "counter" -espaço interno de algumas letras, do alfabeto: a, d, h, n, por exemplo- ou "nick" -incisão que liga a parte curva à parte reta dos tipos.
Também com um enfoque de cunho mais técnico, "Livro Infantil? Projeto Gráfico, Metodologia e Subjetividade" (96 págs., R$ 22,00), escrito por Guto Lins, encadeia blocos de informações numa ordem necessária à compreensão da gênese de qualquer livro, do infantil, em particular, segundo um roteiro que valoriza o conhecimento prático. Sempre acentuando a participação do designer no livro para crianças, circunstância que aprimorou o produto fabricado no Brasil de forma considerável, nos últimos 20 anos, o autor dispõe seu texto como se estivesse dentro da sala de aula, transmitindo informações básicas para o ingresso no mercado de trabalho. Sendo designer competente e, além disso, um dos melhores ilustradores brasileiros em atividade, para a faixa etária tratada em seu livro, Guto Lins tempera o didatismo com o mesmo humor poético com que inventa e desenha personagens.
O conjunto de artigos da jornalista Adélia Borges, "Designer não é Personal Trainer e Outros Escritos" (180 págs., R$ 36,00) e do também jornalista, arquiteto e designer Claudio Ferlauto, "O Tipo da Gráfica, Uma Continuação" (132 págs., R$ 28,00) introduz na série, por sua vez, o prisma da escrita leve.
Com a habitual fluência dos profissionais de seu setor, Adélia Borges disserta praticamente sobre qualquer tema que envolva o que se poderia entender como cultura do cotidiano, nela privilegiando o design e suas ramificações. A escrita fácil e envolvente da autora é uma qualidade que cria elos importantes com um leitor de corte leigo e alarga a estreita faixa de expressão que nosso país tem reservado à atividade.
Detendo-se mais nos efeitos provocados no mercado do que na estrutura interna dos produtos que observa, a autora se distancia, aqui, de seu colega de série, Claudio Ferlauto.
Também bom escritor e também comprometido com a causa da divulgação do design por meio da imprensa, o autor de "O Tipo da Gráfica" trata seu tema de dentro para fora, ou seja, partindo de uma vivência cotidiana com os problemas que expõe.
Ambas as visões são ricas e necessárias e conferem interesse à trama incipiente dos escritos sobre design, que começa a ser valorizada por editores, imprensa e leitores brasileiros graças, em boa parte, a desempenhos constantes como os desses dois autores.
Finalmente, "Textos Recentes e Textos Históricos" (106 págs., R$ 25,00), de Alexandre Wollner, conjunto produzido num intervalo de cerca de 40 anos, é bastante revelador da personalidade do quem os escreve. Excelente profissional, melhor e mais acabado representante do último resquício humanista do design gráfico brasileiro, Wollner sempre se destacou pela qualidade do projeto, pela solidez do conhecimento técnico, pela firmeza das convicções e também, diga-se de passagem, pela contundência das idiossincrasias.
Idiossincrasias que o levaram, com frequência, a investir contra circunstâncias que sua intuição captava como "fora do lugar", para lembrar Roberto Schwarz, mas que nem sempre sua argumentação alcançava, como se observa bem, aliás, no conjunto de textos de que estamos tratando.
Wollner é, certamente, melhor designer do que escritor. Tem sido com o projeto, não com a escrita, que tem posto os pingos nos "is" do design brasileiro, ao longo de sua trajetória.
Com efeito, um designer precisa, antes de tudo, ser bom designer e saber separar o joio do trigo. Não são todos os que o conseguem, como Wollner.
Pelo menos, não aqueles formados na nefasta ideologia de que design e marketing são praticamente a mesma coisa, por exemplo, que confundem o conceito de marca com o conceito de símbolo e que agrupam, indiscriminadamente, essas noções todas sob a égide de uma ficção provinciana a que, no Brasil, se dá o nome de "logomarca".
Wollner, cioso de seu papel desbravador, passou a vida lançando aos quatro ventos advertências sobre equívocos dessa natureza, nem sempre relevados e que, agora, se coagulam dolorosamente sobre um tecido perigosamente inflamado.
Poucas vezes escolheu a melhor maneira para desferir suas críticas, o que talvez tenha lhe tolhido eficiência e força. Isso tudo, mais o empenho com que analisa questões próprias de seu ofício, faz com que a leitura de "Textos Recentes e Textos Históricos" seja indispensável a todos os que quiserem ter contato com a personalidade de um profissional exemplar que há anos vem contribuindo para mudar as expectativas do Brasil em relação ao design.
Esperando que a trajetória de "Textos Design" seja longa, finalizamos com os votos de que tanto o organizador quanto a editora tenham pertinácia, ampliando a série e fazendo de seus livros um hábito indispensável a estudantes e profissionais do setor, numa demonstração de que já estamos maduros para produzir e consumir nossa própria literatura.

Ana Luisa Escorel é designer e autora de "O Efeito Multiplicador do Design" (Senac).


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