São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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POEMA

MUITAS VOZES


Meu poema é um tumulto: 000a fala
que nele fala outras vozes arrasta em alarido.
(estamos todos nós cheios de vozes que o mais das vezes mal cabem em nossa voz:
se dizes pera, acende-se um clarão um rastilho de tardes e açúcares 000ou
se azul disseres, pode ser que se agite 000o Egeu
em tuas glândulas)
A água que ouviste
num soneto de Rilke
os ínfimos
rumores no capim
o sabor
do hortelã
(essa alegria)
a boca fria
da moça
o maruim
na poça
a hemorragia
da manhã
tudo isso em ti
se deposita
e cala.
Até que de repente
um susto
ou uma ventania
(que o poema dispara)
chama
esses fósseis à fala.
Meu poema é um tumulto, um alarido: basta apurar o ouvido.
FERREIRA GULLAR


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