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A evolução da lógica
NEWTON DA COSTA
Susan Haack é filósofa inglesa muito conceituada, hoje radicada nos Estados
Unidos. Tratou, em numerosos livros e artigos, dos mais variados temas; em
particular, seus trabalhos no campo da filosofia da lógica são excelentes, tendo
grande repercussão entre os especialistas.
A lógica evoluiu de modo extraordinário nos últimos 150 anos, tornando-se, por
assim dizer, uma nova ciência. São três os traços marcantes dessa evolução.
1) Ela progrediu de tal maneira que se converteu em disciplina matematicamente
não trivial; possui, no presente, alto nível técnico, ao contrário do que
ocorreu nos mais de dois milênios de sua história anterior, quando não passava
de um jogo de trivialidades do ponto de vista matemático.
2) Surgiram novos sistemas lógicos, diversos do clássico ou tradicional (de
inspiração aristotélica). Dentre tais sistemas, alguns foram edificados como
complementos da lógica tradicional (por exemplo, as lógicas modais
clássicas, as lógicas clássicas do tempo e as lógicas combinatórias); outros
constituem-se, pelo menos sob certas interpretações, em lógicas
alternativas da clássica (lógica intuicionista, lógica intuicionista
modal, lógicas polivalentes, lógicas polivalentes modais, lógica deôntica
paraconsistente etc.).
3) A eclosão de uma quantidade quase incrível de aplicações dos sistemas lógicos
em praticamente todos os ramos do conhecimento, não apenas como órgão de
inferência, mas como instrumento de indagação. Isso se deu, por exemplo, em
filosofia, matemática, computação, direito, linguística, ciências naturais
(física, genética, química) e tecnologia em geral (inteligência artificial,
robótica, engenharia de produção, administração de empresas, controle de
tráfego, programação flexível).
É claro que uma semelhante revolução da lógica conduziu a uma renovação de sua
filosofia. Tornou-se, de fato, imprescindível analisar o significado das lógicas
não clássicas (se são, por exemplo, apenas cálculos abstratos ou se podem ser
julgadas como lógicas no sentido próprio de sistemas reais de inferência em
certos contextos, fornecendo ao mesmo tempo sua estrutura lógico-formal),
discutir os conceitos de verdade e de validade lógica e procurar avaliar a
natureza dos termos lógicos e de seus significados.
Convém sublinhar uma das características das lógicas de índole não clássica.
Para fixar idéias, concentremo-nos na chamada lógica paraconsistente, que,
falando por alto, admite contradições (pares de sentenças, uma das quais é a
negação da outra) como logicamente aceitáveis. Diversos autores a cultivam e
defendem a tese de que há contradições verdadeiras (em algum sentido). Porém
essa lógica possui interpretação bem diferente: pode ser concebida como
estudando tão-somente sistemas de sentenças que podem encerrar contradições e
coleções de regras de inferência que permitem operar com eles, sem o perigo de
ser possível deduzir-se qualquer coisa (como acontece com a lógica tradicional e
várias outras). Logo, uma lógica é susceptível de ser tratada como alternativa
(rival) da clássica ou como seu complemento: a distinção entre lógica rival e
lógica complementar da clássica não se afigura como de completa
incompatibilidade.
Duas categorias de lógica são investigadas por Haack com algum detalhe: a lógica
modal clássica e a lógica polivalente. Referência é feita à lógica
intuicionista, sobretudo pelo seu caráter peculiar. A exposição é esclarecedora
e as ponderações críticas encontram-se muito bem fundamentadas.
Haack não deixa de lado as questões metafísicas e epistemológicas relativas à
lógica, concebida como instrumento de inferência e de análise lógico-estrutural.
Partindo de uma visão pluralista, como o próprio título do livro indica, a
autora discute, de modo original e interessante, numerosos problemas de
filosofia da lógica. Examina a noção de sentido, de validade lógica, de
argumento, de conectivo e de quantificador. Daí passa para as conceituações de
termos e de sentenças (enunciados e proposições).
Um dos temas nucleares de sua exposição diz respeito às teorias da verdade.
Haack discorre sobre as teorias da correspondência, da coerência, da
redundância, bem como das pragmáticas. Particular atenção é dada à teoria
semântica de Tarski. Também são considerados diversos paradoxos e suas
principais soluções.
A tese central de Haack é a do falibilismo no campo da lógica. Ao contrário do
que geralmente se pensa, a lógica pode sofrer revisões e modificações
essenciais, dependendo de circunstâncias variadas, como o tipo de contexto
específico ao qual está sendo aplicada e o grau de sua evolução conceitual. Não
se trata aqui de lógica definida como sistema abstrato e formal _similar às
geometrias do matemático puro_, mas de lógica tida como órgão formal de
inferência e de analise estrutural. Essa tese encontra-se muito bem fundamentada
nesta obra e se evidencia, para nós, como correta.
Trata-se de um livro primoroso, de estilo claro e preciso, e perfeitamente
planejado do ponto de vista didático. Ademais, a tradução é esmerada e reproduz
com exatidão o pensamento da autora.
Newton C.A. da Costa é professor do departamento de filosofia
da USP e autor, entre outros livros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso
Editorial).
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