São Paulo, sábado, 14 de novembro de 1998

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Paixão pelo design

ANA LUISA ESCOREL

O livro "Limites do Design" revela metas bastante abrangentes. Para realizá-las, Dijon de Moraes se desdobra nas funções de projetista do livro e de boa parte dos produtos que o ilustram, acumulando-as com as de autor do texto. Encadeando seu discurso numa discussão de muitas faces, Moraes se propõe a refletir sobre o design, sua problemática e seu sentido. Para tanto, oferece prismas de avaliação diferentes e sucessivos, com o propósito aparente de dominar seu objeto por meio da variedade dos ângulos de abordagem.
Assim, pelo viés do primeiro prisma, faz um apanhado do desenho industrial, de seu surgimento a nossos dias, adotando uma postura diacrônica, própria do historiador. Por meio do segundo prisma, imprime a seu tema um enfoque de cunho mais reflexivo e filosófico. Finalmente, fechando o livro, adota o olhar do pedagogo comentando alguns modelos de ensino adotados no Brasil e fora dele, até chegar a uma formulação bastante pessoal a que dá o nome de "design programado".
A primeira parte do livro, em que Moraes se dedica a historiar a evolução do desenho industrial, talvez se ressinta de um certo esquematismo. A tal ponto que se torna inevitável a indagação de que motivos o teriam levado a incluí-la em seu trabalho. Se a intenção foi situar o discurso com clareza para um público pouco familiarizado com o tema, poderia se lembrar que "Pioneers of Modern Design", de Nikolaus Pevsner, um clássico absoluto, foi traduzido e lançado no mercado brasileiro em 1980, pela Martins Fontes.
Em se tratando de um autor de grande categoria, Pevsner praticamente esgota o assunto, fazendo de seu texto uma referência constante e um desafio definitivo para quem se proponha a abordá-lo depois dele. À justificativa de que a intenção teria sido atualizar o debate sobre o design, introduzindo comentários relativos às questões, às tecnologias e aos materiais surgidos nos últimos 60 anos, poder-se-ia contrapor o argumento de que, para alcançar plenamente esse objetivo, o autor precisaria ter demonstrado mais profundidade e citado menos. De fato, nessa primeira parte, além do texto ser incomodamente interrompido por um excesso de citações, exibe um tom meramente descritivo, quase escolar, que de maneira nenhuma se coaduna com o padrão da etapa seguinte.
A segunda parte é a mais interessante e pessoal. Com poucas citações e, portanto, numa escrita que se desenvolve com mais fluência, o autor contesta com firmeza posições de teóricos respeitados, como Tomás Maldonado, demonstrando domínio de seu assunto e independência intelectual. Procurando mostrar que não existe uma atitude projetual própria da periferia, diferente da atitude projetual própria dos países ricos, Moraes afirma com razão que a metodologia e os processos mentais em design são os mesmos, em qualquer latitude. O que costuma mudar são os recursos tecnológicos disponíveis, as formas de difusão e distribuição dos produtos e o nível de acesso a seus benefícios. Mais atento às relações do design com a política e com a economia do que com a cultura, Moraes defende a posição de que é mais importante para um produto perseguir a qualidade do que a fidelidade às tradições de um dado país.

A OBRA


Limites do Design Dijon de Moraes Projeto gráfico: Dijon de Moraes e Hulda Melo dos Santos Studio Nobel (Tel. 011/257-7599) 168 págs., R$ 40,00



Ao mostrar-se severamente crítico em relação ao constante lançamento de objetos inúteis e à tendência de adoção, pela indústria, do princípio da obsolescência planejada, lembra que existe atualmente um descompasso entre requisitos como adequação ergonômica e utilidade, de um lado, e excelência tecnológica, de outro. Ou seja, cada vez mais, objetos perfeitamente inúteis e ergonomicamente inadequados apresentam soluções tecnológicas formidáveis, como por exemplo certas calculadoras que reproduzem a solução formal e as dimensões de um cartão de crédito, possuindo incrível capacidade de armazenamento de dados e de desempenho de funções matemáticas, sendo, no entanto, inadequadas ao manuseio por não possuírem teclas dimensionadas para acolher os dedos que deveriam operá-la.
Abordando outro dos múltiplos aspectos da atividade que levanta em seu texto, Moraes lembra que o design não deve ser entendido somente como instrumento de projeto, mas também como disciplina de planejamento, estando apto, portanto, a colaborar no traçado de estratégias empresariais.
O autor termina a segunda parte de seu livro mostrando a necessidade de adaptação constante do design, não só a um contexto que se carateriza pela permanente mutação tecnológica, mas também a condições de trabalho que podem se apresentar precárias, fazendo com que o profissional tenha que estar sempre pronto a se colocar como "uma fonte geradora de alternativas projetuais".
Completando o círculo de abordagem ao design, o livro se detém no comentário sobre o ensino, deixando clara sua adesão a um certo informalismo existente neste setor na Itália, país onde o autor estudou, fez sua pós-graduação e viveu por algum tempo.
Com efeito, os designers italianos raramente possuem formação especializada, tendendo a privilegiar o "o talento, a prática e a informação", como nos lembra o autor, em "detrimento da formação acadêmica".
O que talvez fosse oportuno lembrar é que, não por acaso, a Itália provavelmente é o país que carrega a maior herança plástica do Ocidente. Para onde quer que se volte, de Norte a Sul, qualquer italiano que saiba olhar e tenha sensibilidade será premiado com obras-primas incomparáveis na pintura, na arquitetura, na escultura e no sistema dos objetos (para lembrar Baudrillard), fruto de centenas de anos de um artesanato requintadíssimo. Sendo assim, pode-se entender um certo desdém pela formação acadêmica em design, frequentemente manifestado pelos italianos, pois, nesses termos, ela talvez possa mesmo ser dispensada. E, nesses mesmos termos, a contrapartida representada dentro da própria Itália por Tomás Maldonado, numa discussão que o situa entre os defensores de metodologias de projeto que privilegiam os aspectos científicos e tecnológicos do processo, em detrimento da intuição, pode soar imprópria e deslocada.
Encerrando o livro, o autor descreve um pouco de sua experiência como professor de projeto de produto, no curso de desenho industrial da Universidade do Estado de Minas Gerais, onde aplica sua concepção de design programado, elaborada a partir de uma definição de Alain Touraine e Z. Hegedus para a sociedade pós-industrial. De acordo com essa orientação, eleito um tema de trabalho, o aluno seria incentivado a buscar "infinitas possibilidades para sua solução", apoiado na capacidade de análise e reflexão, e contrariando o princípio taylorista, segundo o qual o aumento de produtividade se daria somente a partir de "one best way". Segundo Moraes, "a resposta programada permite escolher entre muitas soluções para maximizar a produção e realizá-la de diversas maneiras".
"Limites do Design" coloca, sem dúvida, questões instigantes que ultrapassam o âmbito de interesse restrito da atividade. No entanto, dada a abrangência de seus propósitos, nem sempre o autor consegue dar conta do traçado a que se propôs. Entre os méritos do livro, o maior talvez seja a paixão que demonstra pelo design, atividade tão desconhecida e tão pouco respeitada no Brasil.


Ana Luisa Escorel é designer e integra a equipe de projeto do escritório 19 Design.



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