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Voltarelli multiplicou células e ideias

Pioneiro em pesquisa para a cura de diabetes com uso de células-tronco, imunologista deixa importante legado

Ele, que morreu aos 63, foi a Brasília brigar por pesquisa e conseguiu que Ministério da Saúde pagasse transplante

ELIDA OLIVEIRA
DE RIBEIRÃO PRETO

Para a cura de doenças, um transplante é visto como o último recurso de tratamento pelos altos riscos envolvidos.

Em doenças não letais, como diabetes, é uma alternativa quase impensável. Ou pelo menos era, até que o imunologista Júlio César Voltarelli cogitasse essa hipótese.

No auge da produção em pesquisas de vanguarda, Voltarelli morreu em Blumenau (SC) na última quarta, aos 63 anos, após complicações no pós-cirúrgico de um transplante de fígado. Ele deixa um importante legado.

Em 2003, após 11 anos de tratamentos experimentais com transplantes para doenças autoimunes, como lúpus (inflamação da pele) e esclerose múltipla (perda de movimentos), Voltarelli começou a desenvolver meios de "curar" a diabetes com apoio de células-tronco.

Foi a Brasília explicar aos membros da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) as técnicas, para liberar o estudo, e conseguiu que o Ministério da Saúde bancasse os transplantes pelo SUS, contou Belinda Simões, 50, atual coordenadora da unidade de transplante de medula óssea do HC (Hospital das Clínicas), da USP de Ribeirão, criada por ele.

Com a técnica, Voltarelli ganhou renome internacional -publicou dois artigos no periódico científico mais cobiçado da área, o Jama (em inglês, Journal of the American Medical Association)-, trabalhando em parceira com destaques da área, como Robert Burt, dos EUA.

A técnica já foi levada para a Polônia e para a China, onde está sendo aplicada com bons resultados.

Voltarelli foi o pioneiro no desenvolvimento da técnica conhecida por "reset imunológico" aplicada à diabetes 1, disse Carlos Eduardo Barra Couri, 35, endocrinologista e membro do grupo de pesquisa do imunologista.

Com ela, as células que atacam o pâncreas são combatidas com quimioterapia. O transplante de células-tronco permite que elas se recuperem, reiniciando o ciclo do sistema imunológico, sem o autoataque, disse Belinda.

Dos 26 diabéticos submetidos à técnica, 22 pararam de usar insulina em algum momento e cinco estão sem o hormônio artificial há sete anos, disse Couri. "Em diabetes, deixar paciente sem insulina é impensável. Ficar sete anos sem ela mostra que os resultados são fantásticos."

No entanto, os colegas de Voltarelli são cautelosos ao falar em cura da diabetes.

Segundo Couri, será necessário submeter a técnica a mais pacientes e esperar um tempo maior para saber se os resultados permanecem.

"Fazer pesquisa clínica no Brasil não é algo simples", disse Benedito Carlos Maciel, diretor da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), da USP. "Colocá-las em prática com resultados significativos é extremamente relevante", afirmou.

Para Roberto Passetto Falcão, professor de clínica médica e hematologia da FMRP-USP e orientador do doutorado de Voltarelli, ele foi "extremamente ousado".

Voltarelli deixou engatilhada outra técnica inovadora para o tratamento da diabetes do tipo 2, que será desenvolvida pela mesma equipe que montou, agora sob coordenação de Belinda.

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