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Na mira delas Antes ambientes masculinos, clubes de tiros recebem cada vez mais mulheres, geralmente levadas para lá pelos maridos; uma delas vai representar o Brasil nas Olimpíadas de Londres
DE RIBEIRÃO PRETO "Tem gente que esquia, tem gente que dança e tem mulheres que cantam em coral. Eu gosto de atirar." Assim a joalheira Lydia Leão Sayeg, 45, resumiu à Folha seu hobby pela prática do esporte, comumente associado ao universo masculino. Estrela do programa "Mulheres Ricas", da TV Bandeirantes, Lydia fez essa revelação ao país durante o reality show. Ainda que de forma tímida, a socialite não é um caso isolado. Outras mulheres também passaram a ser vistas nos clubes de tiro do Brasil. Não há uma estatística que reúna todos os praticantes de tiro do país -a atividade engloba quatro confederações. Somente a de tiro esportivo calcula que, dos cerca de 2.000 associados, 200 são mulheres. Sete anos atrás, elas eram apenas 50. Segundo outra confederação, a de tiro prático, hoje são até 150 adeptas entre os 2.100 associados -sete anos atrás, havia no máximo 20. A arquiteta Maria Clara Saboya de Toledo, 53, lembra-se de uma época em que o tiro era ainda mais um típico clube do Bolinha. "Antes contávamos nos dedos quantas atiradoras havia no Brasil. Não enchiam as duas mãos", diz ela. A época citada por Maria Clara é o início dos anos 1980. O pai de uma amiga próxima sofria com úlcera. O médico, na época, indicou a ele três esportes para aliviar a tensão -um deles era o tiro. A amiga logo passou a atirar também. "Ela ganhou uma pistola e eu fiquei vidrada na arma dela." Entre 1979 e 1983, pelo Fluminense, Maria Clara conquistou títulos brasileiros -no clube hoje são 90 mulheres. Após uma pausa, voltou ao esporte em 2004, um ano antes de o tiro poder lhe ajudar a superar a notícia de que estava com câncer de mama. "Eu ia careca, de lencinho, aos campeonatos. Tive minha melhor pontuação naquela época. Com o tiro, eu esquecia do câncer", afirmou. ROSA-CHOQUE Ao contrário de Maria Clara, normalmente a maioria das mulheres é levada ao tiro por uma questão familiar: são esposas ou filhas de praticantes. Há jovens entre as atiradoras, mas a maioria tem mais de 30 anos, é de classe média ou alta e trabalha fora. São também, claro, vaidosas. Sempre com as joias que lhe associam à empresa da família, a socialite Lydia Sayeg pratica tiro há quatro anos, duas vezes por mês -não mais por falta de tempo, diz. No estande de tiro, não dispensa a feminilidade: o rosa-choque está não só nas botas, mas no protetor de ouvido e na luva de sua arma -ela prefere usar pistolas Glock. Ao menos seis amigas praticam tiro hoje por influência dela -e ajudam a quebrar o visual masculino no clube. "Fica um 'auê' quando chega a mulherada, mas eles respeitam, ficam quietinhos." O tiro também faz a cabeça das mulheres no interior. No clube de tiro de Monte Alto, rifles de calibre 22 são os escolhidos pela dona de casa Elenice Tombi Bortolotti, 57, e pelas filhas Fabiana, 30, e Fernanda, 21. "Quando atirei pela primeira vez, falei para o meu marido: 'Aos 55 anos, já descobri meu hobby'." Apesar de divertido e relaxante, o tiro exige um investimento financeiro considerável. Os custos iniciais para comprar a arma, além de taxas anuais de clube, chegam a R$ 40 mil. É preciso ter a própria arma. "Isso é pessoal, igual escova de dente", brinca Ricardo Brenck, da Confederação Brasileira do Tiro Esportivo. O preço varia desde a mais simples, uma pistola de ar comprimido (as de chumbinho) de R$ 3.000, até espingardas importadas que chegam a R$ 30 mil. Na conta, ainda entram custos com munição, a cargo do aluno. Uma caixa com 500 unidades de chumbinho sai por R$ 20. Já a caixa de 50 unidades de calibre 22 chega a valer R$ 60. Obter licença para atirar, segundo as confederações brasileiras, é um processo tão burocrático que quase leva os praticantes à desistência. Até obter o sonhado CR (certificado de arma), emitido pelo Exército, e a guia de tráfego para transportar a arma, é preciso, por exemplo, passar por teste psicológico e exame prático. Após o esforço em obter os papéis, dizem as federações, o Exército demora até quatro meses para emitir o CR. Para o diretor de tiro do Fluminense, Sergio Meinicke, as leis brasileiras dificultam o esporte -há dificuldade para renovar o CR, comprar armas e conseguir transporte da arma para outros Estados. OBSTÁCULOS Os entraves, diz, diminuem as chances de formar atletas. Entre os que representarão o Brasil nas Olimpíadas de Londres estará uma mulher, a major Ana Luiza Ferrão. Outro obstáculo é o preconceito. "O tiro sempre foi perseguido, associado à violência e relegado pelo governo ao quinto plano", disse Sidney Peinado, da federação paulista de tiro esportivo. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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