Ribeirão Preto, Domingo, 11 de Abril de 2010

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Avanços da cana não chegam às moradias

Repúblicas de boias frias na região são casas antigas, com excesso de gente e problemas de infraestrutura e de higiene

Procuradoria assinou TACs com 24 prefeituras para que as Vigilâncias Sanitárias fiscalizem as casas, sob pena de sofrerem ações judiciais


JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO

José Walmir da Silva, 19, tinha seu próprio quarto na casa de barro onde vivia com o pai em Palmares, em Pernambuco. Hoje, divide com 11 pessoas um ex-bar em Barrinha. Francisca Pinheiro, 28, deixou a casa dos pais de seis cômodos em Lago da Pedra, no Maranhão, para viver em um quartinho em Serrana com o marido e dividir o banheiro com outras famílias.
José e Francisca são cortadores de cana da região de Ribeirão Preto que moram em repúblicas para migrantes, a opção mais barata para os boias frias. Apesar da recente melhoria na condição de trabalho nos canaviais, boa parte das moradias continua em situação precária, na avaliação de procuradores, fiscais do trabalho e equipes das vigilâncias sanitárias das prefeituras ouvidas pela Folha.
Os boias frias encontram duas formas de moradia. Mais raros, os alojamentos são espaços construídos e mantidos diretamente pelas usinas, como a Bonfim, do grupo Cosan, e, em geral, estão em boas condições.
Os problemas concentram-se nos imóveis alugados na cidade. São casas subdivididas ou corredores de cômodos, locados pelo migrante ou por empreiteiros e usinas.
Nessas repúblicas, fiscais encontram por vezes turmas de até 11 homens em um ou dois cômodos, ou migrantes com a mulher e os filhos em pequenos espaços, com botijão dentro do cômodo. Há problemas de infraestrutura e higiene.
"As moradias continuam com problemas e excesso de pessoas. Há muita gente para um só chuveiro, não tem colchão, nem ventilação. Às vezes, a gente entra e vê que eles dormem na sala sem janela", disse o coordenador do grupo móvel rural do Ministério do Trabalho e Emprego, Roberto Martins de Figueiredo.
Uma das dificuldades dos fiscais é que boa parte dos migrantes, para economizar, se submete a situações precárias.
"Eles procuram o lugar mais barato. Comem leite, bolacha e miojo à noite, para não gastar no supermercado", conta o fiscal sanitário Amadeu Fernandes Fossalusa, de Barrinha.

Termos
Há dois anos, as vigilâncias sanitárias passaram a se envolver na fiscalização das habitações dos cortadores de cana, após o Ministério Público do Trabalho começar a firmar acordo com as prefeituras -24 municípios assinaram TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) para fiscalizar as moradias, sob pena de serem alvo de ações na Justiça.
Em Barrinha, 209 moradias foram fichadas em 2008. Antes disso, houve blitz em 2006 a pedido da Secretaria de Estado da Saúde, mas o trabalho não prosseguiu porque a vigilância, com equipe pequena, tinha outras demandas na cidade. Hoje, o órgão mantém cinco funcionários -o ideal seria ter oito fiscais sanitários.
Além da equipe reduzida para tantas casas, para Fossalusa, outra dificuldade é a falta de punição. "Podemos autuar, mas não há muito punição para obrigar o proprietário a melhorar a condição do imóvel. E interditar, não dá. Onde colocar essas famílias?"
Em Serrana, no ano passado, uma casa chegou a ser interditada e a usina obrigada a realocar a família. Mas o problema persiste, segundo a chefe do órgão, Ana Estela de Siqueira.
"Todo ano é a mesma coisa, o mesmo dono, que não adaptou a casa. E a aluga de novo."
Segundo o procurador Gustavo Rizzo Ricardo, o medo de que a situação precária se associe à imagem de empresas exportadoras de cana tem feito com que usinas retirem moradores de locais irregulares ou adaptem a casa.
O diretor regional da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Sérgio Prado, disse que as usinas associadas cumprem as normas da lei e que, se há problemas, a orientação da entidade é para que as empresas se adequem.


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