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Avanços da cana não chegam às moradias
Repúblicas de boias frias na região são casas antigas, com excesso de gente e problemas de infraestrutura e de higiene
Procuradoria assinou TACs com 24 prefeituras para que as Vigilâncias Sanitárias fiscalizem as casas, sob pena de sofrerem ações judiciais
JULIANA COISSI
DA FOLHA RIBEIRÃO
José Walmir da Silva, 19, tinha seu próprio quarto na casa
de barro onde vivia com o pai
em Palmares, em Pernambuco.
Hoje, divide com 11 pessoas um
ex-bar em Barrinha. Francisca
Pinheiro, 28, deixou a casa dos
pais de seis cômodos em Lago
da Pedra, no Maranhão, para
viver em um quartinho em Serrana com o marido e dividir o
banheiro com outras famílias.
José e Francisca são cortadores de cana da região de Ribeirão Preto que moram em repúblicas para migrantes, a opção
mais barata para os boias frias.
Apesar da recente melhoria na
condição de trabalho nos canaviais, boa parte das moradias
continua em situação precária,
na avaliação de procuradores,
fiscais do trabalho e equipes
das vigilâncias sanitárias das
prefeituras ouvidas pela Folha.
Os boias frias encontram
duas formas de moradia. Mais
raros, os alojamentos são espaços construídos e mantidos diretamente pelas usinas, como a
Bonfim, do grupo Cosan, e, em
geral, estão em boas condições.
Os problemas concentram-se nos imóveis alugados na cidade. São casas subdivididas ou
corredores de cômodos, locados pelo migrante ou por empreiteiros e usinas.
Nessas repúblicas, fiscais encontram por vezes turmas de
até 11 homens em um ou dois
cômodos, ou migrantes com a
mulher e os filhos em pequenos espaços, com botijão dentro do cômodo. Há problemas
de infraestrutura e higiene.
"As moradias continuam
com problemas e excesso de
pessoas. Há muita gente para
um só chuveiro, não tem colchão, nem ventilação. Às vezes,
a gente entra e vê que eles dormem na sala sem janela", disse
o coordenador do grupo móvel
rural do Ministério do Trabalho e Emprego, Roberto Martins de Figueiredo.
Uma das dificuldades dos fiscais é que boa parte dos migrantes, para economizar, se
submete a situações precárias.
"Eles procuram o lugar mais
barato. Comem leite, bolacha e
miojo à noite, para não gastar
no supermercado", conta o fiscal sanitário Amadeu Fernandes Fossalusa, de Barrinha.
Termos
Há dois anos, as vigilâncias
sanitárias passaram a se envolver na fiscalização das habitações dos cortadores de cana,
após o Ministério Público do
Trabalho começar a firmar
acordo com as prefeituras -24
municípios assinaram TACs
(Termos de Ajustamento de
Conduta) para fiscalizar as moradias, sob pena de serem alvo
de ações na Justiça.
Em Barrinha, 209 moradias
foram fichadas em 2008. Antes
disso, houve blitz em 2006 a
pedido da Secretaria de Estado
da Saúde, mas o trabalho não
prosseguiu porque a vigilância,
com equipe pequena, tinha outras demandas na cidade. Hoje,
o órgão mantém cinco funcionários -o ideal seria ter oito
fiscais sanitários.
Além da equipe reduzida para tantas casas, para Fossalusa,
outra dificuldade é a falta de
punição. "Podemos autuar,
mas não há muito punição para
obrigar o proprietário a melhorar a condição do imóvel. E interditar, não dá. Onde colocar
essas famílias?"
Em Serrana, no ano passado,
uma casa chegou a ser interditada e a usina obrigada a realocar a família. Mas o problema
persiste, segundo a chefe do órgão, Ana Estela de Siqueira.
"Todo ano é a mesma coisa, o
mesmo dono, que não adaptou
a casa. E a aluga de novo."
Segundo o procurador Gustavo Rizzo Ricardo, o medo de
que a situação precária se associe à imagem de empresas exportadoras de cana tem feito
com que usinas retirem moradores de locais irregulares ou
adaptem a casa.
O diretor regional da Unica
(União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Sérgio Prado, disse
que as usinas associadas cumprem as normas da lei e que, se
há problemas, a orientação da
entidade é para que as empresas se adequem.
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