Ribeirão Preto, Sábado, 19 de Junho de 2010

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154 ANOS PATRIMÔNIO

Em 30 anos, muita história foi destruída

Complexo da Cia. Mogiana, o Palacete Innecchi e o teatro Carlos Gomes são apenas três exemplos das perdas

Mentalidade destruidora pouco mudou; pressão de grupos econômicos é a principal ameaça

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO

O início da década de 1970 encerrou um período de 30 anos em que uma leva de destruição de imóveis históricos em Ribeirão Preto sepultou de forma definitiva parte importante da memória do município.
Da noite para o dia, literalmente em alguns casos, prédios, casarões, galpões e monumentos desapareceram.
A sanha demolidora, levada a cabo pela própria prefeitura -teoricamente interessada na remodelação da cidade- e mais por particulares, de olho no dinheiro que chegava em forma de grandes edifícios e incorporações, mandou para o chão ícones da arquitetura local, marcos erguidos com a riqueza de diferentes épocas.
O complexo ferroviário da Companhia Mogiana, o Palacete Innecchi e o teatro Carlos Gomes são apenas três exemplos do que foi perdido, não sem a anuência de grande parcela da população.
Parte do que resta entrou em um processo de tombamento pelo Conppac (Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural), órgão municipal criado em 1996, cujas ações efetivas começaram apenas em 2004.
Ao todo são 18 bens protegidos pelo município e outros cinco, pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), de âmbito estadual.
De tudo o que foi destruído, um caso, no entanto, pode ser entendido como a síntese de um pensamento que ainda persiste.
Em 1986, os proprietários do casarão Junqueira Lobato não tiveram dúvidas em derrubar a imponente residência, na esquina das ruas Visconde de Inhaúma e Américo Brasiliense, onde hoje está o edifício Center Plaza.
Durante a madrugada providenciaram dois tratores e uma corrente, que colocada em volta do casarão a uma altura de pouco mais de 1,5 metro, foi puxada pelas máquinas. Em pouco mais de 15 minutos, a bela construção já não existia mais.
Conta-se que quem passou no local pela manhã não acreditou no que via. Vizinhos que moravam perto choraram ao ver o entulho amontoado daquela que foi uma das residências mais charmosas de Ribeirão.
"Eles (os donos) não tiveram a preocupação de tirar nem mesmo algumas peças mais importantes. Foi tudo destruído", disse o arquiteto e urbanista Cláudio Baúso, conselheiro e ex-presidente do Conppac.
Quase 20 anos antes, precisamente em 1967, o símbolo de desenvolvimento de Ribeirão Preto também iria ao chão. Depois de uma campanha contrária a sua preservação que durou anos, a estação da Companhia Mogiana e todo o complexo ferroviário que se estendia ao longo da avenida Jerônimo Gonçalves foram demolidos para dar lugar ao terminal rodoviário.
Sumiram a arquitetura inglesa de suas repartições, os equipamentos, várias instalações, incluindo, em 1972, a maior plataforma de embarque do Brasil, com mais de 250 metros de extensão.
No restante dos bens, o pouco que sobrou em pé e inteiro e que já foi tombado não está a salvo da destruição. Prova disso está na rua Caramuru, 232, onde se encontra um casarão tombado há 22 anos pelo Condephaat.
Desde 1988, a casa é o centro de uma disputa que envolve o Estado, a prefeitura e os proprietários. Enquanto nada se resolve, pouco vai sobrando intacto do imóvel construído em 1883.
A preservação do patrimônio histórico é prioridade dentro do Ministério Público, assegura o promotor Naul Felca. À frente da Promotoria do Meio Ambiente Urbano de Ribeirão, Felca participou de episódios onde o bem ameaçado, mais que um amontoado de tijolos, madeira e ferro, era a própria memória dos moradores.
Para o promotor, a pressão de grupos econômicos representa a maior ameaça à preservação dos bens.
"Não há dúvidas de que a questão de ordem econômica se sobrepõe com muita facilidade a qualquer outra", disse ele. "O patrimônio quase sempre é jogado para um plano muito abaixo daquele que merece", afirmou.
(PAULO GODOY)


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