Ribeirão Preto, Domingo, 21 de março de 1999

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DESAFIANDO A LOUCURA
Livro lançado em Ribeirão Preto revela a poesia feita por ex-internos de hospitais psiquiátricos
Cordel resgata memórias do manicômio

LUCIANA CAVALINI
da Folha Ribeirão

A literatura de cordel vem ajudando um grupo de pessoas que estiveram internadas em hospitais psiquiátricos a resgatar sua memória. Dezesseis ex-internos de manicômios de Ribeirão Preto descobriram a autoconfiança junto com a capacidade de rimar.
O produto desse trabalho inédito com pessoas que têm transtornos mentais é o livro "Loucos Pela Vida e Impregnados de Poesia", que foi lançado na última semana.
O grupo participou durante 30 horas, no ano passado, da oficina Versando Sobre Memórias, patrocinada pela Secretaria de Estado da Cultura e coordenada pelo cordelista César Domiciano.
O projeto contou com apoio da secretaria municipal e da associação Loucos pela Liberdade, um movimento de luta antimanicomial.
Entre os novos poetas, estão pessoas que passaram até 25 anos internadas em manicômios sendotratadas à base de choques e doses excessivas de remédios.
Eles são atendidos no Naps (Núcleo de Apoio Psicossocial), hospitais Santa Tereza e Vicente de Paulo e na enfermaria do Hospital das Clínicas, que buscam reintegrar o paciente à sociedade.
"Brincamos com as rimas e ensinamos essas pessoas a fazer o mesmo. Quando percebem, já estão fazendo poesia", afirma Domiciano, que colocou no papel as rimas e organizou as poesias.
Segundo ele, os participantes falavam sobre o passado e eram incentivados a transformar a história em literatura de cordel. "Com o tempo, eles foram se soltando e escrevemos versos em mutirão", diz.
Para a gerente do Naps, Sebastiana Diniz, o grande mérito do trabalho é o resgate da cidadania. "Eles resgataram suas histórias em forma de poesia. Isso mudou muito o modo de verem a vida."
Entre as histórias, está a de uma paciente que usava drogas e acabou sendo internada pela família e "impregnada" -esse é o termo usado pelos pacientes para as fortes doses de remédios que os mantinham conscientes, mas sem conseguir coordenar os movimentos.
Neuza Marcondes Soares, 57, espera, com a publicação do livro, poder encontrar irmãos que não vê desde a infância. Ela conheceu Ademar Cortaz, 58, no hospital psiquiátrico Santa Tereza e agora os dois vivem juntos no local.
Incentivada pela oficina, Terezinha da Silva Pinto, 68, possui hoje um caderno cheio de poesias que espera publicar. Ela passou 25 anos internada e tem três de seus trabalhos publicados no livro (leia texto nesta página).



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