Ribeirão Preto, Domingo, 25 de Julho de 2010

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Cemitério da Saudade é réplica da cidade dos vivos

Definição de historiadora de Ribeirão se refere à disposição dos túmulos

Enriquecimento de Ribeirão atraiu artistas e artesãos interessados em construir túmulos para os barões do café

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO

Se Thanatos pudesse dar sua opinião, ele certamente se diria espantado com as mudanças históricas que o seu legado sofreu em um curto espaço de tempo. O deus da morte na mitologia grega encontraria aqui mesmo, em Ribeirão Preto, motivos de sobra para protestar.
Em pouco mais de cem anos, a morte, como o Ocidente a encara, sofreu tantas intervenções mundanas que hoje não dá para afirmar qual a relação que a sociedade mantém com esse evento, de certa forma a única certeza que se tem na vida.
Do final do século 19, quando surge o cemitério da Saudade, até a chegada da morte asséptica, distante, exemplificada pelos cemitérios-jardim, como o Bom Pastor, a história repassa inúmeros momentos.
No período colonial, grande parte dos sepultamentos acontecia ao lado das igrejas. Quem cuidava do morto, o trasladava e o enterrava eram as irmandades religiosas. Com a chegada da Primeira República e a separação entre Igreja e Estado, os enterros foram para os cemitérios secularizados, termo empregado para diferenciar esse período.
Em Ribeirão Preto, o Cemitério da Saudade foi fundado em 1892. Longe do centro, em área pouco habitada, servia para os propósitos de uma forte política higienista em vigor naquele tempo. Cemitérios, com todos os seus problemas e possibilidades de doenças, deveriam ser afastados da população.
Começa aí, segundo o professor e psicólogo Amir Abdala, o processo ainda não terminado de negação da morte, quando todos os rituais fúnebres, da agonia anterior à morte ao enterro, começaram ser questionados pela sociedade.
Em sua dissertação na PUC, Abdala estuda a relação da sociedade com a morte.
Para a historiadora Tânia Registro, o Cemitério da Saudade é uma réplica da cidade dos vivos para os mortos. Alamedas centrais mais valorizadas, nomes importantes nas melhores posições e os mais pobres na periferia.
O quarto cemitério de Ribeirão -os outros ficavam nas praças 15 de Novembro, Catedral e Sete de Setembro- surgiu cheio de simbolismos.
Oportunamente, o mesmo dinheiro que fazia fortunas com o café também ditava as ordens dentro do campo santo. Jazigos foram se tornando moradas cheias de simbolismo com anjos, querubins, alegorias indicando pena, culpa, dor e êxtase.

MARMORISTAS
Em seu livro "Arte Funerária no Brasil", a professora Maria Elízia Borges, da Universidade Federal de Goiás, traçou um perfil do cemitério de Ribeirão a partir do ofício de marmoristas italianos.
O enriquecimento de Ribeirão atraiu artistas e artesãos que montaram suas marmorarias nas ruas próximas ao centro e começaram a atrair os barões, que queriam para os seus mortos o mesmo requinte que em vida.
Carlo Barberi foi o primeiro a se estabelecer em Ribeirão. Em 1892, sua empresa já recebia as primeiras encomendas. A produção de imagens, túmulos, adornos e toda a variedade de projetos seguia tendências europeias.
O material era o mármore de Carrara, na época o que havia de melhor.
"Geralmente, as famílias burguesas tinham um hábito cultural de investir muito dinheiro no túmulo, porque ele representaria a ascensão que obteve em vida", disse a professora Maria Elízia. "Essa burguesia tinha necessidade de preservar sua memória de várias maneiras e uma delas era fazendo um túmulo suntuoso." (PAULO GODOY)


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