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Cemitério da Saudade é réplica da cidade dos vivos
Definição de historiadora de Ribeirão se refere à disposição dos túmulos
Enriquecimento de Ribeirão atraiu artistas e artesãos interessados em construir túmulos para os barões do café
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE RIBEIRÃO PRETO
Se Thanatos pudesse dar
sua opinião, ele certamente
se diria espantado com as
mudanças históricas que o
seu legado sofreu em um curto espaço de tempo. O deus
da morte na mitologia grega
encontraria aqui mesmo, em
Ribeirão Preto, motivos de
sobra para protestar.
Em pouco mais de cem
anos, a morte, como o Ocidente a encara, sofreu tantas
intervenções mundanas que
hoje não dá para afirmar qual
a relação que a sociedade
mantém com esse evento, de
certa forma a única certeza
que se tem na vida.
Do final do século 19,
quando surge o cemitério da
Saudade, até a chegada da
morte asséptica, distante,
exemplificada pelos cemitérios-jardim, como o Bom Pastor, a história repassa inúmeros momentos.
No período colonial, grande parte dos sepultamentos
acontecia ao lado das igrejas.
Quem cuidava do morto, o
trasladava e o enterrava
eram as irmandades religiosas. Com a chegada da Primeira República e a separação entre Igreja e Estado, os enterros foram para os cemitérios secularizados, termo
empregado para diferenciar
esse período.
Em Ribeirão Preto, o Cemitério da Saudade foi fundado
em 1892. Longe do centro, em
área pouco habitada, servia
para os propósitos de uma
forte política higienista em
vigor naquele tempo. Cemitérios, com todos os seus problemas e possibilidades de
doenças, deveriam ser afastados da população.
Começa aí, segundo o professor e psicólogo Amir Abdala, o processo ainda não
terminado de negação da
morte, quando todos os rituais fúnebres, da agonia anterior à morte ao enterro, começaram ser questionados
pela sociedade.
Em sua dissertação na
PUC, Abdala estuda a relação
da sociedade com a morte.
Para a historiadora Tânia
Registro, o Cemitério da Saudade é uma réplica da cidade
dos vivos para os mortos.
Alamedas centrais mais valorizadas, nomes importantes
nas melhores posições e os
mais pobres na periferia.
O quarto cemitério de Ribeirão -os outros ficavam
nas praças 15 de Novembro,
Catedral e Sete de Setembro- surgiu cheio de simbolismos.
Oportunamente, o mesmo
dinheiro que fazia fortunas
com o café também ditava as
ordens dentro do campo santo. Jazigos foram se tornando
moradas cheias de simbolismo com anjos, querubins,
alegorias indicando pena,
culpa, dor e êxtase.
MARMORISTAS
Em seu livro "Arte Funerária no Brasil", a professora
Maria Elízia Borges, da Universidade Federal de Goiás,
traçou um perfil do cemitério
de Ribeirão a partir do ofício
de marmoristas italianos.
O enriquecimento de Ribeirão atraiu artistas e artesãos que montaram suas
marmorarias nas ruas próximas ao centro e começaram a
atrair os barões, que queriam
para os seus mortos o mesmo
requinte que em vida.
Carlo Barberi foi o primeiro a se estabelecer em Ribeirão.
Em 1892, sua empresa já recebia as primeiras encomendas. A produção de imagens,
túmulos, adornos e toda a variedade de projetos seguia
tendências europeias.
O material era o mármore
de Carrara, na época o que
havia de melhor.
"Geralmente, as famílias
burguesas tinham um hábito
cultural de investir muito dinheiro no túmulo, porque ele
representaria a ascensão que
obteve em vida", disse a professora Maria Elízia. "Essa
burguesia tinha necessidade
de preservar sua memória de
várias maneiras e uma delas
era fazendo um túmulo suntuoso."
(PAULO GODOY)
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