São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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O preço da medalha

Vencedores de olimpíadas científicas chegam a estudar 10 horas por dia perto de provas

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Em sentido horário, os medalhistas em olimpíadas Renan (de vermelho),Marcelo Salles, Deborah,Marco Antonio e Álvaro

ROBERTA BENCINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Eu tinha vergonha de dizer que estudava. O pessoal tirava sarro", lembra Marco Antonio Lopes Pedroso, 18, sobre o tempo em que vivia com os pais em Santa Isabel (49 km de São Paulo) e estudava em escola estadual, cinco anos atrás.
Hoje, medalhista de ouro na Olimpíada Brasileira de Matemática, a mais tradicional do país, e de bronze na Internacional de Matemática, ele perdeu o medo de ser discriminado.
O maior motivo é que Marco anda agora rodeado de amigos também campeões de concursos do conhecimento. Um deles é seu irmão, Álvaro, 16, com quem adora discutir a resolução de problemas matemáticos.
O caçula montou um grupo em Santa Isabel para preparar alunos de escolas públicas. "Já temos 30 atletas em treinamento", conta Álvaro, que, tal como o colega baiano Marcelo Salles, 17, trouxe uma medalha de prata da Olimpíada Ibero-Americana de Matemática.
Os craques dos números servem de modelo e despertam o interesse de outros alunos pelos saberes científicos. Mas, diferentemente de outros craques, como os do futebol, não recebem prêmios milionários, e sim estímulos para estudar.
Muitos saem do interior para a capital, onde recebem bolsas de estudos de colégios como o Etapa, onde estudam os medalhistas desta reportagem.

Gênios ou nerds?
Gênios para uns, nerds para outros, eles chegam a estudar dez horas por dia. Carlos Shine, 29, responsável pela preparação no Etapa, diz que hoje os vencedores não têm mais um perfil típico. "As meninas, que são minoria nas competições, vêm se destacando. A melhora no desempenho dos alunos, incluindo os da escola pública, vem da mudança de cultura que estamos vivenciando, em que os estudantes começam a acreditar mais em si mesmos e a ver o Brasil como um forte competidor internacional."
Deborah Alves, 16, medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Matemática e ouro na Paulista de Matemática, é um exemplo. Ela diz que gosta de estudar tanto quanto de sair com amigos, ir a shows, tocar violão e malhar. "Eu e meus colegas assumimos: tem que ser nerd mesmo para se dedicar tanto à matemática, mas a gente sai e se diverte também."
Renan Finder, 18, outro medalhista de ouro da Olimpíada Internacional de Matemática, saiu de Joinville (SC) para SP. Ao chegar, debruçou-se ainda mais sobre os livros. Hoje, ele se queixa de ter pouco tempo para fazer atividades físicas.
Segundo João Canalle, coordenador nacional da Olimpíada Brasileira de Física, outra importante competição nacional, os vencedores gostam de competir e estudar e, para eles, "a preparação para um evento competitivo nunca é um fardo".
"Não adianta nem se deve forçar um aluno a competir. Eles devem trilhar o caminho escolhido por eles. E, infelizmente, muitos terão os seus talentos aproveitados longe do Brasil", afirma. Aos que preferem ficar, não costuma ser difícil passar no vestibular. Mesmo porque, além de serem craques nas matérias de exatas, eles conseguem sempre uma boa média nas outras disciplinas.
Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonato vê prós e contras na dedicação dos estudantes às olimpíadas. Se por um lado são úteis por incentivar o estudo, por outro podem colocar pressão excessiva sobre os alunos, especialmente por parte dos pais. "Sob pressão, o aluno acaba produzindo menos do que pode. Aí, fica frustrado e tem que lidar com o insucesso", disse. "Essas olímpiadas são muito úteis. O que não pode é abrir mão de tudo por causa disso." O ideal, diz, é um equilíbrio entre estudo e lazer.


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