São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 2011 |
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RICARDO SEMLER Fabricando o Enem
Tem um sujeito americano, meio caipira, que manda no mundo do vinho francês. Até 15 anos atrás, soaria risível. Robert Parker Jr., que nem gostava de vinho, achou que o sistema subjetivo que falava em gosto de lápis molhado e amora podre estava difícil demais. Fez a coisa americana: inventou uma pontuação. Hoje, ninguém manda como ele nesse ramo. O problema é que apareceu o vinho "parkerizado", que manipula taninos e açúcar para ficar do jeitinho que o Parker gosta. O Enem, como o vestibular, é "parkerizado". Concluiu-se que é necessário um sistema de notas para distinguir alunos e escolas. Assim tudo fica mais fácil. E distorcido. Lembro dos processos de admissão quando resolvi fazer mestrado. Nos EUA, labutei para tirar boa nota nos exames e não fiz entrevista. Na Universidade de Oxford, na Inglaterra, disseram-me que não havia exame e que precisava achar um professor que me quisesse como aluno! Foi o que fiz, e "entrei" porque um senhorzinho que me encontrou num pub simpatizou com minha tese. "Parkerizadas", as escolas se transvestem com boas notas, e isso é uma fraude intelectual. Algumas das mais bem pontuadas fazem um funil danado dos dois lados, o de professores e o de alunos. Selecionam vetustamente (não é vestibulinho, mas é similar) os alunos para garantir material bom de prova. Do lado dos professores, fazem uma seleção direcionada. Depois, primam por simulados que visam exatamente treiná-los no que costuma cair nas provas. Ora bolotas, assim qualquer um faz. É, aliás, um vexame que tirem nota 6 no Enem. Qualquer nota menor que 10, com esse preparo "parkerizado", é um fracasso. As escolas públicas, que não podem escolher alunos e professores, não podem concorrer com isso. A solução está na modernidade: fazer com que alunos decorem fórmulas, datas e fatos é de uma bizantinice primorosa. As provas têm, urgentemente, de ser feitas com notebook à disposição. As questões devem se concentrar na capacidade de questionar, procurar e interpretar, abolindo de vez esse caminho emburrecedor da vestibulice. Impera a preguiça institucional e a pressão anacrônica dos pais, resultando em soluções antigas e doentes. Há muita vinha de qualidade Brasil afora, e certamente não está reservada às elites que procuram capital social e enquadramento nas escolas que fabricam garrafas para o Enem. É vergonhoso fazer tanta preparação para algo que sequer tangencia o mundo do trabalho. Dessas uvas nativas poderia vir muito vinho de qualidade, com mesclas criativas e importantes. Deixemos o Parker para trás. Mirar nota, como sabemos, não é para francês -é para inglês ver. RICARDO SEMLER, 52, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco') que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Escreve a cada 14 dias neste espaço. Texto Anterior: Modelo francês é mais artístico e menos liberal Índice | Comunicar Erros |
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