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Novo manual de diagnóstico causa 'guerra' na psiquiatria

Revisão na obra que serve de base para tratamentos está em debate nos EUA

Criação de novos transtornos mentais é criticada porque deve aumentar número de pessoas em tratamento

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON

O processo de revisão do mais influente manual de psiquiatria do mundo ganhou contornos de guerra nos últimos meses.

Abrindo a possibilidade de que pessoas consideradas saudáveis passem a ser classificadas como portadoras de transtornos mentais, a obra despertou a ira de psicólogos, que já recolheram 11 mil assinaturas em uma petição contra as mudanças.

Psicólogos brasileiros devem aderir ao movimento, que começa a ganhar apoio de psiquiatras proeminentes.

O DSM (Manual de Diagnósticos e Estatísticas) da Associação Americana de Psiquiatria é referência para tratamento e cobertura das doenças pelos planos de saúde.

Entre as principais preocupações está o relaxamento dos critérios para que pessoas se encaixem como portadores de problemas como depressão, esquizofrenia e ansiedade (veja quadro).

Isso abre a possibilidade para que mais gente seja medicada e exposta a efeitos colaterais. Antidepressivos, por exemplo, podem causar redução do desejo sexual e problemas de sono.

"Há um retrocesso. Eles estão aumentando a patologização de situações comuns na vida das pessoas, como o luto", afirma Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia.

A atual versão do manual exclui do diagnóstico de depressão quem está em luto por até dois meses, considerando que a tristeza é uma reação normal. A proposta é abandonar a exclusão.

"O luto é uma condição da vida, não uma doença. Não precisa ser 'medicalizado'", afirma Theodor Lowenkron, professor de psiquiatria da UFRJ e membro do departamento de diagnóstico e classificação da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Para ele, o avanço da neurociência e a pressão da indústria farmacêutica têm levado à priorização do tratamento com remédios em vez das terapias psicossociais.

Ele considera importante, porém, a inclusão no novo manual de alguns transtornos que não tinham uma categoria própria, como a compulsão alimentar. "Encontramos esses casos com frequência na prática clínica."

Os psiquiatras americanos responsáveis pelo novo manual afirmam que os novos diagnósticos não vão mudar a incidência das doenças que já existem.

Quanto aos novos transtornos incluídos no manual, dizem eles, muitos seriam só diagnósticos mais adequados para casos hoje enquadrados em outras categorias.

O psiquiatra Cláudio Banzato, professor da Unicamp, diz que há uma expectativa exagerada em relação ao DSM. "Tomá-lo como 'livro de receita' que pode ser empregado de forma ingênua e irrefletida é um erro grave."

Segundo ele, nesse embate, há bons argumentos dos dois lados. "Deve haver preocupação tanto com a medicalização excessiva e o tratamento desnecessário como com a falta de diagnósticos."

A versão final do novo manual deve estar pronta em maio do ano que vem.

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