São Paulo, domingo, 12 de junho de 2011

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Futuro distante

Casos de paraplégicos que voltaram a mexer pernas após terapias experimentais trazem esperança, mas estão longe de virar realidade

MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

Na semana passada, um policial militar de Salvador (BA), de 47 anos, paraplégico há nove, conseguiu mexer as pernas depois de ter feito um tratamento experimental com células-tronco.
Quase um mês antes, um americano de 25 anos, paraplégico desde 2006, conseguiu andar na esteira e mover quadril, joelhos e dedos dos pés, graças a um tratamento com estimulação elétrica na medula espinhal.
Histórias como essas trazem esperança a milhões de pessoas com deficiência física no mundo ""no Brasil, há mais de 930 mil pessoas com paralisia total ou parcial.
Mas, segundo especialistas, esses tratamentos ainda estão longe da realidade dos pacientes, e concentrar expectativas em "terapias do futuro" pode atrapalhar a reabilitação tradicional.
"Não há nada comprovado e que já possa ser usado em larga escala", diz Marcelo Ares, fisiatra da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente).
Daniel Rubio, diretor clínico da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, ligada à Faculdade de Medicina da USP, diz que os resultados desses estudos só poderão ser avaliados daqui a dez anos.
"Para dizer que uma nova técnica é boa, é necessário que ela seja testada em um número expressivo de pacientes. O fato de termos um ou outro caso de progresso pode não ter significado."
Pesquisas com terapias experimentais para paraplégicos costumam selecionar pessoas com lesão medular causada por traumas, como acidentes de carro ou quedas.
Segundo a bióloga Milena Soares, do projeto com células-tronco no Hospital São Rafael, em Salvador, em teoria é mais fácil restaurar a medula que foi comprimida e não "cortada", como no caso de disparos por arma.
Rubio diz ainda que lesões na medula causadas por infecções, tumores e doenças degenerativas podem estar associadas a outras doenças, o que dificulta o tratamento.

REABILITAÇÃO
Segundo os especialistas, é preciso ter cuidado para não concentrar as expectativas nos tratamentos que ainda não estão disponíveis. "A pessoa deixa de desenvolver seu potencial. É capaz de ter complicações na pele, na bexiga e problemas emocionais, todos evitáveis com a reabilitação", afirma Ares.
A reabilitação, muitas vezes confundida com fisioterapia, não tem como meta fazer o paciente andar, mas melhorar sua qualidade de vida.
Muitas vezes, segundo Rubio, ela é frustrante, dependendo das expectativas da pessoa, mas é necessária para que não haja sequelas, como deformações nos ossos.
Cristiano Milani, coordenador do departamento de atenção neurológica e neurorreabilitação da Academia Brasileira de Neurologia, diz que é preciso tomar cuidado ao enfatizar o milagre e esquecer o básico.
"Para muitos, o tratamento novo é como um 'remedinho' que a pessoa toma e sai andando, e a reabilitação tradicional parece antiquada."
"Quando vemos resultados positivos, não pensamos nos riscos. As pessoas podem morrer com tratamentos experimentais ou desenvolver tumores com células-tronco", afirma Marcelo Ares.
"A terapia com células-tronco parece muito promissora, mas qual é o custo disso para o paciente?", questiona Milani.


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