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Cientistas descobrem nova síndrome genética no RN
Doença, que provoca deformidades, afeta seis membros de uma mesma família
Achado foi descrito por 11 pesquisadores brasileiros e um americano; agora, eles estudam qual gene está relacionado ao problema
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Foi descoberta, no Rio Grande do Norte, uma nova síndrome genética. A doença, que provoca más-formações nos membros superiores e inferiores, foi
encontrada em seis pessoas da
mesma família que moram no
município de Riacho de Santana, no oeste do Estado.
O achado foi relatado na edição de dezembro da revista
"American Journal of Medical
Genetics". Assinam o artigo 11
especialistas brasileiros -de
instituições como USP (Universidade de São Paulo) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte- e um americano.
A coordenadora do trabalho
de campo, a bióloga Silvana dos
Santos, também foi responsável pela descoberta, há quatro
anos, de uma doença neurodegenerativa batizada de Spoan,
encontrada pela primeira vez
em moradores de outra cidade
potiguar, Serrinha dos Pintos.
O nome da nova síndrome é
mais longo -agenesia/hipoplasia de fíbula associada a oligodactilia e outros defeitos- e
descreve tecnicamente suas
manifestações: ausência ou formação incompleta da fíbula
(osso localizado na lateral da
perna) e falta de dedos nos pés
associados a outros problemas
como defeitos nas unhas. Ocorre, ainda, formação incompleta
do fêmur, e dois dos afetados tinham dedos a mais nas mãos.
Trata-se de quatro irmãos,
além do filho de dez anos de um
deles e um primo dos quatro. A
maioria tem baixa estatura -de
1,33 m a 1,53 m, no caso dos
adultos- e pés retorcidos. Eles
têm dificuldade de locomoção,
mas se adaptaram e não usam
acessórios como bengalas.
Atualmente, está sendo investigado qual é o gene que sofre mutação e causa o problema. A principal hipótese é que
se trate de um gene autossômico (relativo a cromossomo que
não seja sexual) dominante.
Nesse caso, basta herdar de um
dos pais o gene com a mutação
para ter a síndrome.
Mas não se descarta a chance
de que o gene seja recessivo e
que a consanguinidade contribua para a manifestação do
problema, já que a região tem
grande tradição de casamentos
na mesma família.
Além de os sintomas da família não corresponderem aos de
doenças conhecidas, os afetados passaram por testes de
DNA que descartaram outros
problemas genéticos.
Início
O trabalho de Silvana dos
Santos no Nordeste começou
no início da década, quando ela
se interessou pelo caso de uma
vizinha cadeirante que era filha
de um casal de primos e natural
de Serrinha dos Pintos.
"Minha rua era um pedaço de
Serrinha dos Pintos em São
Paulo, estava cheia de gente de
lá. Passei um tempo na cidade e
vi que havia outras pessoas com
os sintomas. Fiquei de 2001 a
2003 tentando encontrar um
diagnóstico para minha vizinha, mas ninguém identificava,
pois ainda não havia", conta ela.
Após estudar a doença, a bióloga viu que se tratava de uma
síndrome neurodegenerativa
nova, que foi chamada de
Spoan e descrita pela primeira
vez em 2005. Hoje, já foram
identificados 73 pacientes.
A continuação do trabalho
ocorreu em Serrinha dos Pintos, Riacho de Santana e mais
três cidades do Estado, escolhidas por terem grande tradição
em casamentos consanguíneos
-o que aumenta a chance de
nascer um portador de problemas genéticos- e por estarem
entre os locais que têm mais
deficientes no Brasil.
Santos e sua equipe visitaram todos os deficientes nesses
municípios. "Fui de casa em casa. Quando via repetição nos
sintomas, o mesmo defeito nos
pés, por exemplo, investigava,
pois não há dúvidas de que é genético. Foi um trabalho de oito
meses", conta ela, que acredita
que haja mais doenças genéticas inéditas na região e se mudou para Campina Grande
(PB), onde leciona na Universidade Estadual da Paraíba, para
continuar a pesquisar o tema
no Nordeste.
Teste genético
A ideia é criar, agora, um teste genético para diagnosticar a
nova síndrome. "Além da importância científica da descrição da síndrome, teremos aplicações práticas. Poderemos fazer aconselhamento genético
com essas famílias, por exemplo", afirma Paulo Alberto Otto, chefe do departamento de
genética e biologia evolutiva do
Instituto de Biociências da USP
e coordenador do projeto.
Silvana Santos acredita que a
descoberta ajude a desvendar
mecanismos como o de formação da fíbula e que também
possa orientar políticas públicas. "Como são doenças que podem se repetir ao longo das gerações, poderemos identificá-las o mais cedo possível e melhorar a qualidade de vida dos
pacientes", diz.
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