São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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Excesso de gordura no sangue

Vítima de doença genética rara, Vitor, 13, teve contagem de triglicerídeos que atingiu 6.145 mg/dl

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Vítima de doença genética rara, Vitor, 13, teve
contagem de triglicerídeos que atingiu 6.145 mg/dl


FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos seis meses de idade, quando começou a ser alimentado com papinhas, Vitor Rodrigues Câncio Dias, 13, passou a vomitar constantemente depois das refeições. Apesar de passar por diferentes médicos, sempre era diagnosticado com uma virose passageira e mandado de volta para casa.
Sua mãe, a microempresária Roseli de Oliveira Rodrigues, 48, percebeu que, além do vômito, a barriga do bebê estava sempre distendida e inchada. Por isso, decidiu levá-lo para uma consulta particular. Nos exames, os médicos descobriram que o fígado e o baço da criança estavam aumentados.
Aos oito meses, Vitor fez exames de sangue. O resultado foi um índice de triglicerídeos assustador: 726 mg/dl -oito vezes maior do que o tolerado por uma criança, que é de 90 mg/dl. O exame foi repetido, e o resultado confirmado.
"Você já pensou ter um bebê com essa quantidade de gordura no sangue? Fiquei desesperada, não sabia o que fazer", conta a mãe do garoto.
Encaminhado a uma equipe especializada em dislipidemias na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Vitor recebeu o diagnóstico de hiperquilomicronemia -doença genética rara que afeta uma em cada 1 milhão de pessoas e que é caracterizada pelo aumento exacerbado dos triglicerídeos.
Essa condição aumenta consideravelmente o risco de o menino desenvolver doenças cardiovasculares, como hipertensão, e de sofrer infarto e AVC (acidente vascular cerebral), além de apresentar quadros de pancreatite aguda (inflamação do pâncreas).
No caso de Vitor, a hiperquilomicronemia é provocada pela ausência total de uma enzima (lipoproteína lipase) que é fundamental para promover a quebra da gordura.
Como o garoto não produz essa enzima, ele não consegue metabolizar os triglicerídeos (gordura) dos alimentos. O problema é que essa gordura fica circulando no sangue e, consequentemente, deposita-se nas paredes dos vasos e aumenta o risco de complicações.

Restrição dietética
Não existe um tratamento específico para a doença, e a única forma de tentar controlar os níveis de gordura no sangue é restringir o cardápio.
Ao menino, é totalmente vetado o consumo de alimentos como salgadinhos, coxinha, batata frita, feijoada, sorvetes de massa, chocolate, bolachas recheadas, amendoim, carne vermelha, leite gordo, requeijão e receitas com creme de leite.
Está liberada a ingestão de peixes, frutas, gelatinas, balas de alga, alguns tipos de queijo e bolos sem gordura. "A gente sabe que é muito difícil para uma criança manter uma dieta tão restritiva, por isso tentamos flexibilizar um pouco. O ideal seria o Vitor assumir uma dieta vegetariana", explica a médica Eliana Cotta de Faria, professora-adjunta da Unicamp, que acompanha o menino desde que ele era pequeno.
Apesar dos esforços da família para tentar manter os cuidados com a alimentação, o nível de triglicerídeos no sangue de Vitor atingiu 6.145 mg/dl e o colesterol chegou à casa dos 500 mg/dl. Por causa dessas crises, o menino já precisou ser internado cinco vezes.
"Quando o Vitor era menor, ele sempre foi um ladrãozinho de geladeira. Se eu desse bobeira na cozinha, ele dava um jeito de pegar algum alimento proibido. Uma das piores internações aconteceu porque ele comeu escondido um bife à milanesa e uma trufa de chocolate", conta Roseli, que tem outras duas filhas, Gabriela, 21, e Fabiana, 16, que não têm a doença.
Para melhorar o cardápio, a empresária decidiu cursar faculdade de nutrição. "Aprendi as características dos alimentos e tento fazer o melhor. Mas se eu disser que ele nunca come um lanche ou um pedaço de pizza, estou mentindo."

Acompanhamento
Até os oito anos, Vitor passava por exames de sangue mensais para medir os níveis de triglicerídeos. Agora, com a doença sob controle, os testes são feitos a cada seis meses.
Consciente do problema que tem, o garoto leva uma vida normal e frequenta o grupo de escoteiros todos os sábados. Ele diz que já experimentou todas as comidas proibidas.
Os alertas de que algo está errado -e de que ele, provavelmente, exagerou na ingestão de algum alimento- são a forte dor abdominal e o aparecimento de bolinhas na pele.
"Eu conheço o meu problema e sei que não posso comer várias coisas gostosas. Procuro evitar ir a festas de aniversários para não passar vontade."
Mesmo com a doença controlada, a médica diz que Vitor não pode se descuidar. "Além de já ter sofrido internações sérias, o Vitor já apresenta espessamento da carótida, um claro sinal da doença aterosclerótica. Em dias de crise, o sangue dele parece um milk-shake de morango por causa do excesso de gordura", compara.


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