São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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Cuidado, frágil

Com "ossos de vidro", Simone Urbano da Costa busca formas de seguir adiante sem quebrar

Marisa Cauduro/Folha Imagem
Simone Costa, portadora de uma síndrome rara

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para chegar ao apartamento de Simone Urbano da Costa, 33, é preciso subir cinco andares de escada. É isso o que mais está atrapalhando sua vida no momento. "Gosto de sair, quero trabalhar, mas agora está ficando difícil", diz ela.
Simone é portadora de osteogênese imperfecta (OI), síndrome de origem genética conhecida como "ossos de vidro". O nome e o pouco conhecimento do distúrbio fazem muita gente pensar que é apenas uma fragilidade imensa dos ossos, que se quebram ao menor impacto.
Portadores dessa doença rara (atinge 0,01% da população) costumam ter outras características, como baixa estatura, miopia, crânio grande e dentes malformados. Nos casos mais graves, como o de Simone, o distúrbio causa deformações e a perda da mobilidade.
Ela própria passou a infância achando que o que tinha eram apenas "ossos fracos" e que não podia "fazer arte", cair ou se machucar para não quebrá-los.
"Eu era a caçula de três filhas, fui superprotegida. Até entrar para a escola, não sentia que era tão diferente." A irmã do meio, Eliane, é portadora de OI tipo 1, a mais leve. Ela teve uma única fratura na vida, não perdeu a mobilidade ("anda até de salto alto") e cresceu um pouco mais que Simone, atingindo 1,36 metro de altura. Simone tem 1,15 metro. E a irmã mais velha não tem nada, "nem estria", segundo Simone.
Quando foi para a escola, aos seis anos, ela já sabia ler. Aprendeu na solidão das internações hospitalares, quando sofria fraturas ou era submetida a cirurgias. A primeira internação foi logo após o parto -Simone nasceu com as costelas e o fêmur quebrados.
As fraturas se sucederam na infância. Como era muito pequena, ela ficava internada junto com os bebês na ortopedia. Sem ter com quem brincar, aprendeu a ficar sozinha e a ler para passar o tempo.

Baixinha atrevida
Com seis anos, começou a frequentar a escola, mas logo percebeu que as outras crianças a evitavam, olhavam de uma forma diferente. Na primeira vez em que um colega a chamou de "baixinha atrevida de pernas tortas", partiu para cima e bateu no menino. Sim, era atrevida, e decidiu que não ia deixar ninguém "montar em cima dela".
Quando estava no início da puberdade, foi internada na esperança de fazer uma cirurgia para corrigir a escoliose grave -tem um desvio de 70 graus em sua coluna. A operação foi considerada muito arriscada, e Simone teve de sair do hospital do mesmo jeito que entrou.
"Achei que ia operar e sair com tudo tudo perfeito. Fiquei frustrada, mas levei a vida."
Como geralmente acontece com os portadores de OI, as fraturas diminuíram na adolescência. E Simone começou a ter mais amigas, a encontrar a sua praia. "Amava quando chegava sexta-feira. Eu me arrumava toda e minhas amigas me levavam para as danceterias."
Como sua mobilidade ainda não estava comprometida, Simone dançava bastante. Sua tribo era a da música eletrônica, e ela descobriu que as melhores baladas eram as GLS. "Nesses lugares, há menos preconceito, as pessoas não viravam o rosto quando me viam. Todo mundo era diferente, eu achava aquilo maravilhoso."

O nome da coisa
Foi apenas em 1977 que Simone descobriu o nome de seu distúrbio. Ela foi acompanhar um colega que ia se consultar no Hospital das Clínicas e resolveu também marcar uma consulta para si.
Passou pelo grupo de escoliose e saiu dali com o diagnóstico, mas com poucas perspectivas. Os médicos disseram que não havia o que fazer.
Sabendo o nome do que tinha, resolveu procurar respostas por conta própria. Como não tinha acesso à internet, pediu a um amigo para fazer as buscas. "Um dia, esse amigo chegou com um endereço e disse para eu escrever uma carta para o local", conta.
Era o endereço da Aboi (Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta). A resposta à carta veio por telefone. Leandra, uma das associadas, ligou para conversar com Simone. "Ela ia me perguntando, "sua altura é tal", e eu, "é", seus dedos são longos, "são". Combinamos de nos encontrar."
O primeiro encontro, em uma exposição no Sesc Pompeia, em São Paulo, foi um choque para Simone. "Eu estava muito ansiosa, quase desisti de ir. Quando a vi, parecia um filme, ela era igualzinha a mim, só que loira e usando muletas."
Leandra convidou Simone para participar dos encontros da Aboi, que aconteciam no salão de festas do prédio da presidente da associação. A primeira reunião foi um choque. "Os médicos mostravam no telão fraturas assustadoras, para as mães [de crianças com OI] era um show de horror. E eu descobri muitas coisas sérias sobre a doença, que poderia ficar surda, parar de andar. Chegava em casa arrasada, minha mãe até falou para eu parar de ir às reuniões porque me faziam mal."
Simone continuou frequentando a Aboi, inclusive para conseguir mais informações sobre a doença, até hoje pouco conhecida. Queria encontrar formas de melhorar sua qualidade de vida e tentar adiar os efeitos da doença.
Até agora, ela não encontrou muitas respostas da medicina para o seu caso. No estágio em que está, não pode fazer cirurgia. E os remédios à base de bisfosfonato de sódio, uma alternativa se usados a partir dos primeiros anos de vida, também não lhe adiantam mais.
Ela tenta melhorar, pelas bordas. Faz fisioterapia, hidroginástica e toma todos os cuidados para não ter fraturas. "Eu não tenho medo de morrer, tenho medo de quebrar." E tornou-se voluntária da Aboi, ajudando na organização e na divulgação dos eventos da associação. Por conta própria, organiza almoços para portadores de OI e seus familiares. Já que está difícil frequentar as baladas, inventa sua própria festa.


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