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Quem fica com o doente?
Vítimas de doenças incapacitantes, pacientes que dependem para sempre de cuidados devem liberar os preciosos leitos dos grandes hospitais, mas faltam vagas nas instituições de permanência prolongada e serviços públicos de atendimento domiciliar
Joel Silva/Folhapress
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A paciente Demaris dos Santos, que vive há 64 anos no Dom Pedro II, em São Paulo, o maior hospital para internação prolongada que existe no Brasil
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
Pode ser um derrame, um
acidente. Pode ser um velho,
um jovem. Se a doença é incapacitante e o tratamento,
para sempre, o paciente depende de ajuda não só para
se tratar, mas também para
atividades básicas, como comer, tomar banho.
Quem fica com o doente?
No sistema público, doença
incapacitante dá direito a
pensão e medicamentos. Para outras necessidades -fisioterapia, consultas, exames-, o doente tem que ir
atrás de postos ou ambulatórios que tenham os serviços.
A lei prevê atendimento e
internação domiciliar pelo
Sistema Único de Saúde, mas
poucas instituições conseguem oferecer o serviço.
O doente que não tem um
cuidador responsável por ele
após a alta acaba caindo na
fila por um leito em hospitais
de retaguarda.
Esses hospitais são locais
para internação de longa duração -em geral, a vida toda- que não requerem investimento em alta tecnologia, centros cirúrgicos etc. O
foco é enfermagem, reabilitação, sondas.
"Nos hospitais de grande
porte e alta ou média complexidade, o leito é preciosíssimo. É preciso liberar a vaga
assim que for possível a alta", diz Sueli Luciano Pires,
diretora do Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II, mantido pela Santa
Casa de São Paulo.
Hospital de retaguarda, o
D. Pedro fica com uma pequena parte desses doentes.
Aqueles que não têm mesmo
para onde ir. Com 440 leitos,
é o maior do tipo no país. Recebe pedidos de internação
de 23 hospitais municipais.
"Precisaria ter uns dez
[hospitais] D. Pedro em São
Paulo", diz. Ela conta que a
lista de espera, hoje com 15
pedidos, é menor do que a
necessidade real.
Se a fila não anda, a demanda fica reprimida. Hospitais tentam achar cuidadores
que levem esses doentes.
Além de serem poucos, esses hospitais ficam quase escondidos nos sistema de saúde. O SUS não mostra, na base de dados nacional, o número de leitos de retaguarda.
No Estado de São Paulo,
há 3.991 leitos para doentes
crônicos. Cada Estado e município administra as vagas
nesses hospitais, que ficam
para os pacientes crônicos de
mais alto risco social.
"HOME CARE" DO SUS
Independentemente da escassez de vagas nos hospitais
de longa permanência, não é
viável institucionalizar todos
esses doentes. É ruim para o
sistema e, na visão atual da
medicina, para o paciente.
"Manter o convalescente
muito tempo no hospital é o
contrário do que se espera de
qualidade de vida", diz Joel
Mello, do serviço de atendimento domiciliar do Hospital
Municipal do Campo Limpo.
Uma alternativa é o desconhecido suporte público de
saúde domiciliar -em linguagem oficial, Serviço Extra
Institucional de Saúde. Mas o
"home care" do SUS existe
mais na teoria que na prática.
O atendimento e a internação domiciliar foram estabelecidos no SUS por uma lei de
1990. Em 1998, uma portaria
federal determinou os requisitos para credenciamento de
hospitais e os critérios para a
realização do serviço.
"O SUS colocou uma série
de limitações para qualificar
o paciente à internação domiciliar", diz Joel Mello.
Além dessas restrições, os
municípios têm limitações
de investimento para transformar a lei em atendimento
real. É preciso ter equipe 24
horas, ambulância etc. "Estamos longe de ter a coisa
funcionando", diz Mello.
"Uma enorme população
vive no limbo entre ser um
doente ou um morto. A maioria fica a pé", diz Ivone Bianchini, que atua no Núcleo de
Assistência Domiciliar Interdisciplinar do HC paulista.
O núcleo atende 132 doentes, encaminhados pelos ambulatórios de geriatria, neurologia e clínica do HC.
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