São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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FINO

Como manda o figurino

por ANA RIBEIRO

O HOMEM QUE VESTIU O HAMLET DE WAGNER MOURA, TRISTÃO, ISOLDA E CHICO BUARQUE NOS PALCOS

Com que roupa eu vou é pergunta que Marcelo Pies tem de responder no coletivo. Porque, no caso dele, a questão se multiplica em progressão geométrica. Com que roupa vai Hamlet? E com que roupa vai a mãe dele, a rainha Gertrudes? E com que roupa vai o tio de Hamlet, Cláudio, aquele que matou seu pai e lhe usurpou a mulher e o trono da Dinamarca? E assim sucessivamente até que esteja vestido todo o elenco da montagem do texto de Shakespeare, em cartaz no teatro Faap, em São Paulo. "'Hamlet' é meu quinto trabalho com o [diretor] Aderbal Freire Filho", diz Marcelo, que assinou também o guarda-roupa de "Tio Vânia" (2003), que rendeu indicação ao Prêmio Shell de melhor figurino, e a ópera "Baile de Máscaras" (2004). "Aderbal e eu apostamos na liberdade do figurino. Sem ficar presos à época ou mesmo ao texto, atingimos uma visualidade mais solta, atemporal e criativa."

Neste "Hamlet", Marcelo teve de arrumar um jeito de vestir e desvestir os dez atores no palco, já que Aderbal queria desnudar o processo do teatro. O elenco fica em cena o tempo todo com uma roupa-base, neutra, e entra e sai do figurino à medida que entra e sai do personagem. "Usei sobreposição, transparência, zíperes e navalhadas, para nunca se perder de vista que o ator está ali debaixo daquela roupa." Outros trabalhos recentes de Marcelo são os modelos "hippie-pop" de "Cordélia Brasil", em cartaz no Sesc Avenida Paulista, e o musical "Tom & Vinicius", que estréia em setembro. "É um figurino mais documental. Não posso vestir Tom Jobim ou Vinicius de Moraes, figuras conhecidas, com roupas que eles não usariam."

O niteroiense de 43 anos assumiu essa intrincada tarefa quando decidiu, já formado em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, seguir a carreira de figurinista teatral. O gosto pela moda vem da adolescência, quando usava as roupas para se expressar. "Vestia-me para seduzir as pessoas", conta ele, que escolhia peças fortes e marcantes, como o sobretudo baseado na estética medieval que tinha capuz pontudo. "Só um gótico o usaria hoje em dia." Eram outros tempos, anteriores à explosão das faculdades de moda no Brasil -o primeiro curso superior de moda, oferecido pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, estreou em 1987-, e Marcelo estudava por conta própria. "Promovia encontros semanais para um grupo de amigos. A única opção acadêmica era o curso de belas-artes, que tinha especialização em indumentária. Hoje, algumas faculdades de moda já têm cursos de figurino teatral."

Sua escola foi a prática e suas professoras, as figurinistas Emilia Duncan, hoje na Globo, e a cenógrafa e diretora de arte Daniela Thomas. Da primeira ele era cliente nos anos 80, na extinta grife Transfigura -do já citado sobretudo-, que quase não produzia roupas para homem. "Infernizava a Emilia para criar peças para mim", diverte-se Marcelo. "Até ela me chamar para trabalhar com ela na criação da marca. Passei de cliente a colaborador." Na transição de estilista para figurinista, Emilia levou Marcelo como assistente. Já como parceiros, eles fizeram o filme "Carlota Joaquina" (1994) e o musical "Sweet Charity" (2006).

Com Daniela ele seguiu aprendendo. Sobre criação em geral e especificamente sobre ter uma relação mais orgânica com as roupas. "Ela tinge peças à mão, pinta a roupa com compressor de tinta, usa técnica para envelhecer o tecido. Fizemos muito trabalho manual." Entre outros, na ópera "Tristão e Isolda" (2003). Na música, Marcelo vestiu shows e clipes de Adriana Calcanhoto, Marina, Cássia Eller, Chico Buarque. "É bem diferente do teatro, porque você não está vestindo o personagem, e sim a persona. Penso no artista e em sua obra, mas também procuro deixar o cantor bonito no palco, para agradar à sua vaidade pessoal."

E com que roupa Marcelo vai? "Sou louco pelo trabalho de Rei Kawakubo, da Comme des Garçons. Trago peças bacanas das minhas viagens a Paris."

Criações de Pies, do papel para os palcos: ao lado, Camila Pitanga como Rosalinda em cena da peça "A Maldição do Vale Negro", de 2005. Abaixo: roupas para o Hamlet de Wagner Moura, a Rainha Gertrudes de Carla Ribas e a amada de Hamlet, Ofélia, de Georgiana Góes


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