São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Fino - Karim Aïnouz

O céu de Karim

Em fase prolífica, o diretor de "Madame Satã" e "O Céu de Suely" inicia projeto de longa-metragem que começa no litoral do Ceará e termina em Hamburgo, Alemanha; em setembro, estréia "Alice", nova série da HBO

por Helio Hara

Foi num dia de tempestade e frio em Nova York que conheci o cineasta Karim Aïnouz. Na época, a cidade ainda não fora "gentrificada", e era comum esbarrar na Bowery com fotógrafos como (a hoje célebre) Nan Goldin e sua trupe, que vagavam por bares precários repletos de personagens idem.

Karim trabalhava no projeto de "Madame Satã", e era com paixão que falava sobre a vida de um dos mais originais personagens do Rio de Janeiro da década de 1930. Travesti, malandro e esteta, Satã, a Josephine Baker da Lapa, reinou no bairro mergulhado em sonhos, glamour e frustração. Anos depois (em 2002), o projeto foi materializado. Ao ser lançado, o longa-metragem foi saudado pelo "New York Times" como "formidável" e alçou o ator Lázaro Ramos à condição de astro. Aos 35 anos, Karim se tornava também companheiro de trabalho de diretores veteranos como Eduardo Coutinho e Eduardo Escorel, reunidos na Videofilmes de Walter e João Moreira Salles. Foi Walter, aliás, que enxergou o potencial do filme, mudando o seu destino -antes, o roteiro recebera muitos elogios, mas nenhum apoio de produtores nacionais.

Praia do futuro

Pouco mais de cinco anos após o sucesso internacional de "Madame Satã", Karim se firmou como um dos mais bem-sucedidos diretores de sua geração: depois de "O Céu de Suely" e da série de TV "Alice" (filmada em São Paulo e que estréia em setembro na HBO), ele dá início agora a um novo projeto: "Praia do Futuro", que o leva de volta a temas como a memória e as viagens provocadas pelo amor e pela procura.

A história de dois irmãos que se separam tem início na praia do Futuro, no Ceará -um empreendimento anunciado nos anos 70 como o futuro e em poucos anos relegado ao esquecimento, devido à alta salinidade que danifi cava as construções -passa por Berlim e termina em Hamburgo. Sem reencontro. Um filme sobre a geração que ainda se aventurava e se lançava na busca de sensações e paixão.

Karim, que nasceu e cresceu em Fortaleza, tem um percurso original: antes de se tornar amigo da atriz Charlotte Rampling e dos diretores Todd Haynes (com quem trabalhou nos EUA) e John Cameron Mitchell, estudou arquitetura em Brasília, no momento em que nasciam bandas como Legião Urbana e Capital Inicial.

Lá, chegou a cantar num grupo de curta duração. Os encontros aconteciam no "Gilbertinho", um dos muitos centros comerciais da cidade. Mudou-se para Paris, depois para Londres -nessa fase, tornou-se amigo do cineasta e artista Isaac Julien-, e, em seguida, para Nova York, onde teve como primeiro professor de arte o cubano Félix Gonzalez Torres (morto em 1996 e com obras incluídas na última Bienal de São Paulo). Essa pulsão pela mobilidade remonta à infância. Quando era pequeno e a mãe o fazia conhecer o Brasil, em cada nova cidade ele anunciava a decisão: queria se mudar, viver naquela cidade, fosse ela Manaus ou Belo Horizonte.

Há pouco mais de dois anos, recebeu o convite com que muitos diretores sonham: dirigir um filme em Hollywood. Seu orçamento saltaria do US$ 1 milhão com que trabalha aqui para cerca de US$ 10 milhões. Naquele momento, Karim disse "não". Ainda não era o tempo correto, queria conhecer mais, experimentar mais o que chama de "acidentes emocionais" -a ausência de composições e combinações previamente orquestradas. E assim tem sido.

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