São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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MEMÓRIA

Poeta fashion

por DANUZA LEÃO

ACABOU A MODA, A GRANDE MODA. A MODA QUE NOS FAZIA SONHAR, a moda que nos fazia desejar, mais que qualquer coisa, aquele vestido, aquele smoking, aquele cinto, aquela camisa. Não foi agora que ela acabou; foi em 2002, quando Saint Laurent deixou a costura. Qual o interesse numa roupa com a etiqueta Saint Laurent se não foi criada por ele? Absolutamente nenhum.

Quando, aos 21 anos, o rapaz magro e tímido assumiu o desafio de dirigir a Maison Dior, ninguém acreditou que pudesse dar certo. Não só deu, como Saint Laurent superou Dior em muitos pontos, autorizando as mulheres a usar calças compridas em qualquer ocasião e a usar roupas masculinas -vide o smoking.

Foi ele, já um grande nome da alta-costura, quem abriu a primeira boutique de prêt-à-porter na rue des Tournons, Rive Gauche, Paris, onde ninguém pensaria em se instalar. Poucos dias depois do seu primeiro sucesso, Saint Laurent foi convocado para servir no exército. Não era o seu ambiente, e o grande criador foi hospitalizado depois de ter um colapso nervoso.

A moda de Saint Laurent era sublime; vestidas por ele, as mulheres se sentiam poderosas. E que me desculpem Chanel, Balenciaga e outros do ramo, mas nunca existiu ninguém como YSL. E nunca existiram roupas tão fantásticas como as que ele desenhou. Sua genialidade consistia em observar a rua, e transformar as tendências em clássicos que nunca sairam nem sairão, jamais, de moda.

Todos os seus modelos são usáveis; não há nenhuma vulgaridade gratuita, para chamar a atenção da mídia. Seu único escândalo foi quando ele posou nu, para lançar seu perfume Opium.

Nos jardins de sua casa em Marrakech, generosamente abertos ao público, os grandes jarros de barro do artesanato local são pintados de azul Matisse, verde claro, amarelo, laranja, num delírio de cores de imenso bom gosto. E muitas de suas roupas, sobretudo muitas de suas bijouterias, foram inspiradas no "souk" da cidade que ele tanto amou e onde deverão ser jogadas suas cinzas.

Foi ele quem teve o privilégio de elevar a moda ao conceito de arte e, pela primeira vez, em 1983, um costureiro teve seus vestidos -inspirados na Rússia- expostos no MoMa de Nova York, levado pelas mãos de Diane Vreeland. Fez a coleção inspirada em Goya e na Espanha mais popular, em Mondrian, a divina saharienne, roupas que qualquer mulher pode usar em 2008 se sentindo elegantíssima.

Foram 70 coleções em 40 anos de carreira, e a cada uma, mais um sucesso. E no dia da final da Copa do Mundo na França, em 1998, houve um belo e grandioso desfile, quando 300 manequins mostraram uma retrospectiva de seus modelos no gramado do estádio.

Saint Laurent dizia que a moda passa mas o estilo fica; dizia também que beleza não lhe interessava, que o que conta é a sedução, o choque. Lamentava só uma coisa: não ter inventado o jeans.

Tinha a saúde e os nervos frágeis; vivia cada vez mais só; tinha medo do mundo, da rua, da multidão; só gostava de ficar em casa com seu cachorro.

E, certa vez, ele disse esta linda frase: "A roupa mais bonita para uma mulher vestir são os braços do homem que ela ama. Para as que não tiveram essa felicidade, estou aqui."


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