São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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CAPA

Queridinha da Amaérica

por MÔNICA BERGAMO

MAIS CONHECIDA NOS EUA, ONDE ATUOU EM SEIS FILMES NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS, A ATRIZ ALICE BRAGA QUER FAZER O CAMINHO INVERSO, DE HOLLYWOOD PARA A TV BRASILEIRA. E AVISA: "SE ME LIGAREM, VOU ADORAR"

Aos 25 anos, Alice Braga é uma garota que, como eu, ama os Beatles e os Rolling Stones, além de João Gilberto e Caetano.

Ela nasceu e cresceu na região da Vila Madalena, em São Paulo. Estudou no colégio Vera Cruz e fez colegial no Oswald de Andrade.

Nessa época, ansiosa por ganhar um "dinheirinho", saía da escola, fazia a lição, aulas de inglês e depois bicos de garçonete no bufê de Neka Menna Barreto.

Passou no vestibular na PUC, no curso de Comunicação e Artes do Corpo. Em 2004, largou tudo pelo cinema. E, em 2007, já contracenava com al¬guns dos maiores astros do mundo, como Will Smith, Sean Penn e Jude Law, em diferentes produções. E era dirigida pelo dramaturgo e cineasta americano David Mamet, ícone do teatro e respeitado no cinema.

A carreira de Alice fora do país é mais prolífica que a de qualquer outro ator brasileiro até hoje: nos últimos dois anos, ela fez seis filmes internacionais (quatro nos EUA e dois no Canadá).

Até Alice, de vez em quando, acha que tudo é "quase surreal". Como no dia em que se viu ao la¬do de Harrison Ford, em Los An¬geles, numa cena do filme "Crossing Over", em que interpreta uma mexicana que é imigrante ilegal. "De repente, você tá olhando pro cara e fala: 'Gente... esse é o Indiana Jones! Eu tô na frente do Indiana Jones!'" Alice confessou seu deslumbramento ao diretor do filme, Wayne Kramer. E o desejo de tirar uma foto ao lado do ator. "Eu fiquei com vergonha [de falar diretamente com Harrison Ford]. Eu ia dizer o que? 'Ô, Indiana...' Não dá, né?" O diretor a apresentou ao ídolo: "Ela viu muito filme seu". E Harrison Ford, 65: "É, eu imaginei. Não me conte, não!"

Alice não se conteve. "Eu tive que tirar uma foto com ele", diz. "Falei: 'Gente, preciso mostrar pra minha mãe!'. Não agüentei."

O filme estréia em setembro nos EUA (sem data para o Brasil). Mas, quem não conseguiu ver Alice "from Brazil" no único filme estrangeiro dela já exibido no país, "Eu Sou a Lenda", ao lado de Will Smith, ainda terá três chances de vê-la em produções internacionais: "Cinturão Vermelho", de David Mamet, estréia em circuito nacional no próximo dia 20. Até o fim do ano, provavelmente em setembro, entra em cartaz "Ensaio Sobre a Cegueira", co-produção canadense em que foi dirigida pelo brasileiro Fernando Meirelles. Em 2009, chega às telas "Repossession Mambo" (ainda sem título em português), com Alice como a mulher de Jude Law.

SOBRINHA DA SONINHA

De vestido de malha preto da marca A Mulher do Padre, anel de cobre comprado na rua 25 de Março ("eu adoro, amo a 25 de Março, vivo na 25 de Março"), pulseira de lata e preocupada com seu Celta preto estacionado bem em frente ao Café Gardênia (restaurante no bairro paulistano de Pinheiros) e o horário da zona azul vencia em uma hora, Alice falou sobre os livres caminhos que a levaram ao circuito internacional.

Ela é sobrinha de Sonia Braga -e isso não significou absolutamente nada em sua carreira. "A Soninha se mudou do Brasil no ano em que nasci (1983). Todo mundo fala: 'Nossa, faz tudo isso?'. É, faz tudo isso. Como morou a vida inteira fora, ela nunca foi a tia Sonia. Sempre foi a Soninha, que, às vezes, vinha nos visitar. Então não tinha essa conexão."

Quando era pequena, Alice acompanhava a mãe, a atriz Ana Braga, a estúdios de gravação. "Ela trabalhava com publicidade e os amigos dela, porque eu falo pra caramba, sou espontânea, me convidavam para fazer testes. 'Chama a Lili, filha da Aninha Braga.' Comecei a pegar um monte de comerciais." Fez anúncio do McDonald's, "aquele do 'gostoso como a vida deve ser'", do açúcar União, da Intelig.

Alice tinha 15 anos quando Fernando Meirelles, da produtora O2, que assinava os comerciais, começou a filmar "Cidade de Deus". Ele precisava de um rosto desconhecido para interpretar a namorada de um traficante. Lembrou-se da Lili. "Aí ele me chamou para fazer um teste. Fiz um ensaio lá com os meninos, e rolou. Depois do filme, terminei o colégio, comecei a faculdade. Mas ali já tinha batido o desejo de fazer cinema." Estava em Nova York, num curso de férias, quando foi chamada pelo diretor Sérgio Machado para o segundo longa da carreira: "Cidade Baixa", de 2005.

Nunca mais voltou para a faculdade. No Brasil, fez outros três filmes, como "A Via Láctea", de Lina Chamie, e uma ponta rápida em "O Cheiro do Ralo", de Heitor Dhalia. "Eu fui a garçonete nº 2. Não tinha nem nome", diz.

A carreira internacional começou depois que, em 2003, "Cidade de Deus" passou em Cannes e a agente Elise Scherz foi assistir.

"Ela me viu e me buscou durante seis meses. Não me achava, não me achava. Ligou para a O2: 'Fernando Meirelles, me dá o telefone dessa menina!'. Me chamou para trabalhar e eu falei: 'Tá bom, vamos lá."

QUANDO MAMET LIGOU

O momento Indiana Jones, em que tietou Harrison Ford, não foi o único que fez seu coração bater forte. Quando o cineasta David Mamet a procurou para trabalhar em "Cinturão Vermelho", no ano passado, "deu um superfrio na barriga", diz. "Ele pratica jiu-jítsu com um professor brasileiro, o Renato Magno, lá em Los Ange¬es, há mais de seis anos. Ele é faixa roxa, superavançado. A partir dessa paixão, escreveu o roteiro, com uma família brasileira. E estava procurando atores brasileiros. O Renato falou do Rodrigo Santoro, falou de mim." Mamet viu filmes dos dois atores. Gostou.

"Aí ele ligou: 'Ó, vamos bater um papo'." E, no começo de 2007, Alice embarcou para Los Ange¬es. "Quando o conheci, percebi que o David Mamet, de quem todo mundo tem medo porque é um cara durão, é na verdade um doce, apaixonado pela escrita e muito generoso. Falava sempre: 'E aí, o que você achou? Como é que você se sente com isso?'." Santoro também foi contratado.

E Will Smith, com quem contracenou em "Eu Sou a Lenda", é mesmo insuportável como dizem? "Não, ele é maravilhoso. Chega no set, sabe o nome das pessoas, olha no olho. Você fala com ele, ele fala com você. É o maior ator do mundo. Vai do drama à piada pateta ao extremo. A batida dele para comédia é maravilhosa. E a batida dele pra drama, superintensa, é tão incrí¬vel quanto."

Depois de quase um ano traba¬lhando em Toronto, no Canadá, e em Los Angeles, nos EUA, Alice agora está dando um tempo em São Paulo, onde pode ser vista na região da avenida Paulista e da rua Augusta "comendo pipocão na fila do cinema". Enquanto aguarda o início das filmagens de "Cabeça a Prêmio", dirigido por Marco Ricca e que será rodado em Mato Grosso, em setembro, toca a reforma do apê em que mora, na Vila Madalena. "Eu pago minhas contas. Mas meu pai ajuda. Pai é pai, né? Ad eternum, o papi sempre tá ali pra dar aquela força!"

Entre outras coisas, ela sempre agradece ao "papi" por tê-la forçado a freqüentar as aulas de inglês do colé¬gio Vera Cruz. Para as filmagens, precisou de um "dialogue coach" (treinador de diálogos) apenas para se livrar do sotaque.

Na saída do Café Gardênia, um mendigo, bêbado, ergue as mãos na direção dela. "Não pode chorar!" A atriz ergue o pulso (que tem uma cicatriz visível por causa de um acidente na lavanderia da casa de uma amiga da mãe, quando ela tinha um ano) e devolve: "Não pode chorar! Tem que ser feliz!". Poucas pessoas olham. Ninguém a reconhece.

"Não sou celebridade", diz.

Ainda. Alice tem planos de trabalhar na televisão. "Me dá muita curiosidade, por essa conexão com o público. Mas ninguém [de televisão] me ligou até agora", diz ela, que só apareceu nas telas em um episódio de "Carandiru", na TV Globo. Caminhando em direção ao Celta preto, ela diz: "Mas espalhe: eu estou aqui. Se me ligarem, vou adorar".

2002
Cidade de Deus
Inspirado no livro homônimo de Paulo Lins, o filme de Fernando Meirelles recebeu quatro indicações ao Oscar. Alice Braga vive Angélica, jovem de classe média que se envolve com um dos traficantes da favela, Bené.

2005
Cidade Baixa
Premiado na Mostra Paralela Independente do Festival de Cannes e dirigido por Sérgio Machado, o filme mostra o violento triângulo amoroso entre dois amigos e a prostituta Karina, interpretada por Alice.

2007
Eu Sou a Lenda
Primeiro filme "blockbuster" da atriz, dirigido por Francis Lawrence e distribuído pela Warner. Alice contracena com o ator Will Smith e interpreta uma sobrevivente na Nova York dizimada por um vírus.

2008
Cinturão Vermelho
Com estréia marcada para o próximo dia 20, o longa dirigido e escrito por David Mamet é ambientado no universo do jiu-jítsu. Alice Braga é a mulher do personagem principal, interpretado por Chiwetel Ejiofor.

2008
Ensaio sobre a cegueira
Baseado no livro de José Saramago, o filme de Fernando Meirelles abriu o último festival de Cannes. Alice faz a Garota com Óculos Escuros, ao lado de Julianne Moore e Gael García Bernal.

2008
Crossing Over
Previsto para estrear em agosto nos Estados Unidos e ainda sem data de lançamento no Brasil, o longa de Wayne Kramer traz Alice ao lado de atores como Harrison Ford e Sean Penn.


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