São Paulo, Domingo, 18 de Dezembro de 2011

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FINA

CARAS & ROUPAS

por Chico Felitti

Angélica Chaves foi atriz e dançarina em Paris por 20 anos; em 2005, trouxe sua personagem Romilda de volta ao Brasil com novo papel: fazer roupas que tirem a vida do marasmo

Quando pousou em Lyon, em 2002, Angélica Chaves tomou um susto. Um retrato seu, de peruca Chanel e vestindo um casaco vermelho de bolonas brancas, estampava todo o teto do aeroporto. A foto era dela, caracterizada de Romilda, sua personagem que fora escolhida para dar cara ao cartaz da 10ª Bienal de Dança da cidade francesa.

Romilda, uma espécie de Carlitos, só que mulher, dançarina e mulata, era o ofício de Angélica na França. Por 20 anos, ela morou em Paris e fez shows e curtas-metragens da personagem. Até voltar para São Paulo, sete anos atrás, e decidir vestir a cidade inteira de Romilda, como fez com Lyon. Só que, dessa vez, costurando roupas para fora.

Assentou então a personagem na Casa Romilda, ateliê que abriu num sobrado na rua Tupi, em Higienópolis. "Sempre me perguntam por que minha marca não se chama 'chez' alguma coisa ou 'le' alguma coisa. Pelo amor de Deus, gente!" Ela ignora nomes com pronúncia que exija biquinho. E modas que exijam carão.

Nas araras espalhadas pela casa, vê-se o tipo de moda de Romilda. Calçolas de chita com galinhas bordadas à mão. Golas de arlequim, feitas de feltro e de veludo, para acabar com o saneamento básico de qualquer pretinho. Vestidos de festa com estampa de vaquinha. Um casaco de bolinhas que mistura a roupa da Minnie Mouse com o figurino que ela usava no pôster de Romilda em Lyon.

SÓ MUDA A FARINHA

"É divertido fazer moda para o Brasil, onde se tem três ou quatro estações no mesmo dia", diz Angélica. Mas, se o clima é mais divertido, o modo de se vestir pode ser menos. "As pessoas aqui se sentem muito inseguras quando não se parecem com algo que já existe. Você viaja 30 horas pelo país e só muda o tipo de farinha, o resto e tudo igual."

É por isso que ela avisa: se for para parecer o último personagem de Deborah Secco na novela, não há muito a fazer na morada de Angélica. "A loira do cabelo liso não é meu público-alvo, não. Mas todos são muitíssimo bem-vindos. Contanto que sejam eles mesmos", crava, tragando um cigarrinho à francesa. "A roupa é uma lente de aumento, mostra bem quem você é", diz, expirando a fumaça.

repertório

Quando visitada pela Serafina, Angélica Chaves mantinha a calma em meio a cento e poucos figurinos inacabados para a recente montagem da ópera "O Guarani" no Theatro São Pedro. É que, além de roupa para a vida, ela também trabalha com figurinos para o palco.

"Quando é encomenda para teatro ou ópera, tenho poucas semanas para fazer uma baciada de roupas. É insano." Mas ela consegue manter o tino com oito horas de sono por dia, mesmo atolada em trabalho.

"É uma questão de estar preparada. Assim que o contrato é fechado, é só dar vazão aos pensamentos."

As ideias da estilista vêm de lugares tão diferentes quanto os de sua vida. Angélica foi assistente de direção de uma montagem da ópera "Carmen" no Stade de France, o Maracanã parisiense. Também produziu no país a noitada em que se comemoraram 30 anos da marca Kenzo. Dançou ornamentada com frutas no Théâtre Dunois e fez turnê no Japão com um cabaré minimalista, em que uma gueixa tomava o lugar da dançarina de cancã.

"Tudo o que eu fiz na vida é importante na hora de pensar numa roupa. Estilista não é quem costura, é quem pensa na roupa antes de ela existir", explica. Ela então começa a listar os tipos de pano com que gosta de trabalhar: passamanes da rua 25 de Março, rendas de uma cidadezinha na França, chita trazida de Minas... "Eu gosto de muita coisa!" E não é só de pano mas também de tempos e de ofícios que ela fala.

Para as fotos da página ao lado, Angélica deu uma injeção de adrenalina na Romilda, que estava no fundo do baú desde que ela começou a costurar. Se deu saudade? "Eu gosto do que foi antes. Mas adoro o que é agora!"


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