São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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TÊTE-À-TÊTE

Em nome do pai

por TETÉ RIBEIRO

Nos anos 80, a atriz foi passar um Natal ?em NY e nunca mais voltou; agora, retorna ao brasil para contar a história de seu pai, Humberto Teixeira, o criador do baião

A idéia era começar este texto contando a ansiedade de ir a Nova York assistir à première mundial de "O Homem Que Engarrafava Nuvens", documentário sobre Humberto Teixeira (1915-1979) dirigido por Lírio Ferreira e exibido na Mostra de Cinema Brasileiro no MoMA em junho. E de tentar reconhecer a atriz Denise Dummont antes ou depois da exibição, na esperança de conseguir uma entrevista com ela. Mas a foto à direita acabaria com grande parte do suspense.

Sim, deu tudo certo. O filme é superemocionante e ela continua exatamente com a mesma cara, o mesmo cabelo, o mesmo sotaque carioca, o mesmo sorriso que conquistou Woody Allen (mais sobre isso daqui a pouco).

O resto da vida está todo diferente. Para começar, a atriz de 53 anos virou produtora e roteirista para contar a história de seu pai, o advogado e criador de um gênero musical que muitos definem como a alma do Brasil: o baião. Nesse sentido, Denise é irmã de "Asa Branca", outra cria de Humberto Teixeira e o maior sucesso de seu parceiro mais constante, Luiz Gonzaga, considerada "o hino nacional do Nordeste".

"Comecei a fazer esse filme por causa dos meus filhos, Diogo e Ana Bella. Queria que eles conhecessem a história do avô, entendessem a importância do legado dele", ela me disse, numa tarde regada a um vinho branco feito no Estado de Nova York e aberto em homenagem à dupla de fotógrafo e diretora de arte Randy e Ruzanna, autora dos retratos nestas páginas, que comemorava quatro anos de casamento naquele dia.

"O Homem que Engarrafava Nuvens" estréia no Brasil no próximo dia 26, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, fora da competição. "Não quero competir, considero esse filme um presente que ofereço ao Brasil", diz. "Mas foi um presente para mim também, aprendi tanta coisa nesse processo que pretendo exibir em praça pública no Nordeste, acho que o filme resgata um lado do Brasil que a gente não vê."

SOBRENOME INVENTADO

Denise diz isso com base em sua própria experiência. Não é exatamente por acaso que pouca gente faz a ligação da brasileira de "A Era do Rádio", de Woody Allen, com "Asa Branca". "Eu nunca tinha ido ao Nordeste antes de fazer esse filme", confessa Denise. "Achava esse negócio de baião, de nordestino, tudo meio cafona. Fui criada em Ipanema ouvindo MPB e rock, eu gostava do Caetano, do Chico, era amiga do Caju, como a gente chamava o Cazuza."

E tem o tal do sobrenome inventado, Dummont, que também não dava pistas das origens da atriz de novelas como "Marrom Glacê" (de 1979) e de filmes como "Rio Babilônia" (1982, de Neville de Almeida). "Comecei a fazer teatro escondida", lembra. "Quando meu pai descobriu, me tirou do palco com um oficial de Justiça. Aí, quando fiz 18 anos, fui contratada para uma novela na Globo ["O Semideus", de 73], e ele proibiu que eu usasse o nome dele. O da minha mãe também não dava, era Police (pronuncia-se "Políti"), e no meio da ditadura militar era tudo de que eu não precisava."

Dummont foi criação coletiva. "Daniel Filho teve a idéia, eu gostei do som, mas aí Glória Menezes, que fazia minha mãe na novela, disse que todo mundo que era alguém na vida tinha nome com 13 letras, como ela e Tarcísio Meira. Botamos mais um 'm' para dar a conta certa." Em Nova York, onde mora há mais de 20 anos, adotou o sobrenome Chapman, do segundo marido, o escritor, roteirista e diretor inglês Matthew Chapman, bisneto de Charles Darwin. Os dois começaram a namorar sem saber detalhes sobre a origem um do outro. "Um dia ele resolveu me contar a história, mas falou com aquele sotaque dele de inglês que era bisneto do 'Tchárls Daorl-Uin' e eu perguntei 'quem é Daorl-Uin?'. A gente fala Dárrrrvin, né?", diz, com sotaque de carioca.

É Chapman o principal suspeito do desaparecimento de Denise Dummont das nossas telas. Ela tinha ido à Nova York com o filho pequeno passar um Natal, em 85, sem a menor intenção de trocar o Rio por Manhattan. Sua mãe, a pianista clássica Margarida Teixeira, já morava lá com o segundo marido, o locutor Luís Jatobá.

"Foi a Sônia Braga e o Hector Babenco que me convenceram a ficar em Nova York e esperar a estréia de 'O Beijo da Mulher Aranha' (do qual Denise participou). Decidi ficar por um ano, assim meu filho aprendia inglês e eu via no que dava." Diogo, filho de seu primeiro casamento com o ator Cláudio Marzo e hoje com 30 anos, aprendeu a segunda língua, Denise se casou com Matthew e em seguida nasceu Ana Bella, filha do casal que já está na faculdade. "Aí a carreira cedeu lugar à família, que virou minha prioridade absoluta", explica.

A CARMEM DE ALLEN

Entre "O Beijo..." e o casamento, trabalhou com Woody Allen em "A Era do Rádio", de 1986. "Me chamaram para uma reunião em um hotel na Park avenue. Fui até lá, abri uma porta e dei de cara com ele, que perguntou 'você canta?' Eu disse 'canto, danço, sapateio, faço qualquer coisa'. Na mesma noite, ligaram dizendo que o papel era meu", lembra, emocionada. "Eu sou afinada, filha de músicos, mas não sou cantora. Então fui correndo fazer umas aulas de canto, jurando que ele ia querer que eu cantasse bossa nova. Treinei, treinei, fiquei craque em bossa nova." E não era nada disso. Pior: nada de chegar o roteiro.

"Eu não sabia que ele não dava o roteiro para ninguém, fiquei superpreocupada. Um dia me liga o maestro que trabalha com ele em todos os filmes dizendo que a música era 'Tico-Tico no Fubá'. Passei a noite decorando a letra. No dia do ensaio estava craque, até que o Woody Alen perguntou 'E a versão em inglês?'." No filme, Denise é uma cantora de rádio à Carmem Miranda que aparece uma única -e inesquecível- vez mandando ver no microfone de época.

"Foi mais uma correria, mais uma noite inteira decorando a letra. No dia da filmagem, o Woody Allen estava com uma assessora, que era quem falava comigo. Mas eu queria saber dele e fui direto perguntar o que ele queria, sem saber que não era assim que se fazia. Ele levou um susto, mas foi simpático, disse 'faz o que você achar que tem que fazer. Se eu não gostar, eu digo'." Woody Allen não interrompeu Denise nem uma vez. E ela seguiu o conselho dele pelos 20 e poucos anos seguintes, fazendo exatamente o que achava que devia fazer.

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