São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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PESSOA FISICA

Ave Cezar

por ROBERTO MACHADO, de Petrópolis (RJ)

Depois de ter criado os bancos Garantia e Pactual, Luiz Cezar Fernandes se prepara para voltar ao mercado financeiro sem abandonar as ovelhas que pastoreia na serra fluminense

O homem grisalho -cachimbo à mão, tênis surrado nos pés- que nas tardes de domingo pastoreia ovelhas numa montanha de Corrêas, distrito de Petrópolis, na serra fluminense, é uma espécie de mito do mercado financeiro. Foi fundador de duas lendas: os bancos de investimento Garantia e Pactual. Ganhou tudo e perdeu tudo, mais de uma vez. Traz em si uma grandiloqüência particular. Quando erra ou acerta, nunca o faz minimamente. Acertos e erros são sempre colossais.

O lugar onde Luiz Cezar Fernandes vive também é colossal: uma fazenda de 4.000 m2 no Vale do Bonfim, ponto inicial das trilhas da Serra dos Órgãos, que desde 1822 é endereço de "nobres" (ao cruzar as montanhas em direção a Minas Gerais, Dom Pedro 1º se hospedou numa fazenda da região e comprou as terras vizinhas). Não bastasse o cenário natural, a fazenda Marambaia abriga o primeiro jardim desenhado pelo paisagista Burle Marx, projeto que levou nove anos (1942-1951) para ser concluído.

Também há nove anos, Luiz Cezar se retirou do mercado financeiro sob nocaute, endividado, obrigado a vender para os sócios que promoveu o banco que ele mesmo criou. Recebeu cerca de US$ 90 milhões. Em 2006, os ex-sócios venderam o Pactual por US$ 3 bilhões -uma dos maiores transações comerciais realizadas no Brasil. Luiz Cezar assistiu a tudo de longe. Nas montanhas, ensaiava pequenos passos: a "profissionalização" das ovelhas e uma empresa de VoIp (telefonia pela internet), a Taho. "Esperava a hora que agora chegou", diz.

É ofício antigo, o de pastorear ovelhas. E muito recente o de vender ligações telefônicas pela internet. As duas empresas, que já caminham sozinhas, são fruto da necessidade: "As ovelhas povoaram as encostas da fazenda e evitaram ocupações. E precisava da internet para me conectar com o mundo. Decidi então que tudo isso precisava ser auto-sustentável", diz Luiz Cezar, um dos três maiores criadores de ovelhas de seleção do país. Vende matrizes da raça Santa Inês. Uma fêmea chega a custar R$ 250 mil. Emprega 30 pessoas. Já a Taho contabiliza 1,7 milhões de ligações telefônicas ao mês e 150 empregados -a maioria jovens aficionados por internet recrutados nas universidades locais.

O clima lembra o do Vale do Silício (região da Califórnia que abriga grandes empresas de informática). A área de criação da Taho funciona num antigo estábulo. O atendimento aos clientes fica num galpão vizinho à varanda das festas -que, embaladas por orquestras, reuniam a elite carioca nos anos 70 e 80. Como estava no topo, Luiz Cezar podia adotar o meio de transporte que só agora é acessível aos "muito ricos": o helicóptero. Em 1992, o Brasil de Fernando Collor estava quebrado, mas o dono do Pactual não abria mão de morar na Serra dos Órgãos.

BICHO DO MERCADO

Nos últimos meses, Luiz Cezar prepara a volta: acompanha com avidez o movimento errático e intermitente das finanças globais. "Eu sou e serei sempre um bicho do mercado financeiro." Ele vê e sente a recessão que se avizinha nos países ricos. Aos 62 anos, conhece de cor o script: os banqueiros se ferram lá fora, surgem oportunidades aqui dentro. Como já foi pé-rapado, pode falar com autoridade de quem saiu do zero. Assim que chegou à adolescência, brigou com o pai, que era bancário no interior de São Paulo, abandonou a casa onde morava com a família e se tornou office boy do Banco Brasileiro de Descontos -o antigo nome do Bradesco.

De lá pra cá, aproveitou as crises mundiais para "enfiar o pé na porta e ganhar dinheiro". Foi assim com o Garantia, que surgiu depois que as bolsas de valores do país entraram em espiral de queda, a partir de 1971, levando centenas de investidores à ruína. Assim também aconteceu com o Pactual, criado em 1983, quando o Brasil já havia se encalacrado nos mercados financeiros. Enquanto o país naufragava no híbrido de endividamento público/hiperinflação, Luiz Cezar só enxergava oportunidades.

As definições de amigos, antigos parceiros e concorrentes são parecidas. Não consideram Luiz Cezar ávido pelo dinheiro. Nem sedento de poder. É que nunca se contentou com um desafio só, dizem. Precisou sempre de uma penca deles. E essa foi a fonte dos conflitos por que passou. Sempre quis ultrapassar fronteiras: comprou indústria têxtil, grife de alto luxo, processadora de suco de laranja. Quebrou mais de uma vez. Mas conseguiu se reinventar em cada uma delas.

Discretamente, Luiz Cezar estuda os próximos movimentos. Instalou na avenida Luis Carlos Berrini, o novo centro financeiro de São Paulo, o escritório da Marambaia Capital. Paulista de nascimento, carioca por adoção, sucumbiu aos fatos: "As empresas estão em São Paulo. Os bancos estão em São Paulo. As idéias estão em São Paulo". Foi buscar em casa uma fórmula de sucesso dos bancos que criou, um ambiente repleto de jovens, com ambição, talento e frescor.

O filho Pedro, de 24 anos, é o responsável pela área administrativa. Ocasionalmente, alguns de seus amigos mais antigos manifestam receio diante da nova empreitada. Mercado financeiro é jogo pesado, só entra quem pode. Ele agradece, mas diz não entender: "Fui contínuo, morei em apartamento conjugado. Valorizo tudo o que tenho."

No início do mês, jogos olímpicos encerrados, o velho banqueiro desembarcou em Pequim. Parece que os chineses andam estudando a história recente do Brasil. Querem aprender com a experiência de outro país emergente -que subiu e caiu muitas vezes. Luiz Cezar acompanhou essa história de perto. Muito perto. Talvez por isso, o sujeito que fundou o Garantia e o Pactual tenha sido lembrado por lá. Os jovens chineses que começam a mexer com as mumunhas do mercado financeiro propuseram uma associação. É ainda uma possibilidade: "Eles estão conquistando o mundo. E nós já apanhamos muito".

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