São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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IN LOCO

amiga quase oculta

por GUTO BARRA, de nova york

Diretora da fundação Keith Haring, a nova-iorquina Julia Gruen mantém vivos o legado e as lembranças do amigo e artista

Julia Gruen, 51, passa seus dias, literalmente, dentro do universo de Keith Haring, no antigo estúdio do artista em Nova York –um espaço que ainda traz marcas de suas obras nas paredes e no piso. Diretora executiva da Keith Haring Foundation, ela diz à Serafina que se considera "uma ponte entre o passado e o presente do artista".
Encontrar o equilíbrio para a evolução do legado de uma obra como a de Haring é uma tarefa que requer habilidade. Vinte anos depois de sua morte, ele prova que sabia o que fazia quando apontou a assistente Julia Gruen para comandar a fundação.
O primeiro encontro dos dois foi "um pouco esquisito". "Tínhamos 25 anos, ele não sabia o que perguntar, eu não sabia o que responder", lembra. "Mas logo percebemos que tínhamos vários amigos em comum, o que funcionou como um selo de aprovação."
Filha de um escritor, John Gruen, e de uma pintora, Jane Wilson, ela cresceu entre os artistas de Manhattan, passando temporadas em East Hampton, litoral sofisticado de Long Island, com pintores como Jackson Pollock (1912-1956), Willem de Kooning (1904-1997) e Robert Rauschenberg (1925-2008).
Seu interesse pelas artes, no entanto, começou longe das telas. "Tinha vontade de encontrar minha identidade", diz. Por conta disso, dedicou-se por seis anos à dança clássica. Até que, na virada dos anos 1980, respondeu a um anúncio da galeria Tony Shafrazi –de Basquiat (1960-1988) e Kenny Scharf. Ganhou, assim, o emprego de assistente de Haring. "Sabia quem ele era por causa dos trabalhos no metrô", diz. "E porque as pessoas bacanas usavam seus broches de bebê (desenho ícone do artista)."
O trabalho administrativo evoluiu para uma colaboração maior, e Haring virou seu amigo. "Todos que convivemos com ele ficamos encantados, seu espírito era incrivelmente sereno e havia algo muito racional e centrado na maneira com que ele interagia com as pessoas", diz. Para ela, Haring era também uma pessoa extremamente generosa. "Aprendi mais sobre tolerância com ele do que em toda minha vida. Ele fazia você querer ser melhor."
Em 1988, depois de descobrir que era portador do HIV, Keith Haring montou a fundação para fazer trabalhos filantrópicos e administrar sua obra. Julia Gruen assumiu um papel ativo na organização de exposições, livros e projetos filantrópicos, além de questões de licenciamento e falsificações. Autorizou, por exemplo, colaborações nas áreas de moda (com a stylist Patricia Field, de "Sex and the City" e "Ugly Betty") e da música pop (Madonna incluiu uma animação de Haring em seu último show).
Gruen, que hoje mora no bairro do Upper East Side, lembra com carinho os seis anos em que trabalhou ao lado de Haring. "Ele não gostava de ficar só. Queria ter uma ou duas pessoas pelo estúdio", diz. "Geralmente, uma delas era um rapaz bem bonitinho", diverte-se.
Ela comanda os sete funcionários na fundação e, quatro vezes ao ano, recebe um conselho formado por outros seis membros para analisar pedidos de autenticação de obras e decidir sobre a distribuição de fundos arrecadados pela organização. No momento, a diretora participa da exposição Keith Haring – Selected Works, que estreia em 30 de julho na Caixa Cultural São Paulo e segue para o Rio de Janeiro em setembro. A mostra inclui uma foto de Haring andando de bicicleta dentro do prédio da Bienal de São Paulo, em 1983. "Ele era louco pelo Brasil, tinha uma relação especial com o país", diz Gruen.
Haring passou temporadas na casa do artista nova-iorquino Kenny Scharf, em Serra Grande, no sul da Bahia, onde fez muitos trabalhos, incluindo pinturas em palmeiras e casas de pescadores. Um dos murais originais foi recentemente restaurado por Scharf e pelos artistas brasileiros Eli Sudbrack e Rafa Dejotta.
Gruen diz ter ficado satisfeita com a ligação de artistas jovens com o trabalho de Haring. Convidou Shepard Fairey (criador de "Obey" e do pôster "Hope", de Barack Obama) para escrever a introdução do livro "Keith Haring Journals", recém reeditado.
Em seu horizonte, a curadora vê a chegada do trabalho de Haring a novos lugares como uma forma de "ensinar as pessoas sobre quem ele era, como viveu e quais dificuldades enfrentou", afirma. Já o mercado de arte reage com entusiasmo: o valor das obras dele subiu significativamente nos últimos anos. "Seus trabalhos valem muito mais do que quando ele estava vivo e ainda mais do que há dez anos", diz Gruen. "Para mim, essa não é a medida mais importante de sucesso, mas o mercado presta atenção a essas coisas e isso importa para muitas pessoas.

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