São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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2016

Um retrato do Rio pré-olímpico na voz de três gerações

por FERNANDA TORRES, FRANCISCA CAPETO E RUY CASTRO

...foi
POR RUY CASTRO, 63,
COLUNISTA DA FOLHA


No Rio dos anos 60, você ainda tomava o bonde e, de repente, via-se sentado ao lado de Nelson Rodrigues. Ou dobrava uma esquina no Posto 6 e quase colidia com Drummond ou Guimarães Rosa, moradores do pedaço. Descendo de um táxi, coxas douradas saindo da minissaia amarela, Leila Diniz. A praia era o Castelinho; botequim, o Jangadeiros. À noite, festinha com violão e bossa nova em algum apartamento –o mar quebrava lá fora e a areia convidava a um nheco-nheco com a menina de cabelos escorridos e olhos de cristal, que você acabara de conhecer. Alta madrugada, sanduíche de pernil com abacaxi no Cervantes ou sopa de cebola no Beco da Fome –fecho perfeito para um dia idem para um garoto de 19 ou 20 anos e alguns trocados no bolso, nem era preciso mais.

Bem, exceto a história do bonde, tudo isso aconteceu comigo no Rio, naquela época que a imaginação das pessoas chama hoje de "anos dourados". Já então, para o Paulo Francis, que não gostava dos anos 60, os anos dourados tinham sido a década de 50, quando ele próprio tinha entre 20 e 30 anos, e Copacabana estava no apogeu. Mas, para o pintor Di Cavalcanti, Copacabana só tinha sido boa até 1922, quando ainda não se plantara o Copacabana Palace no areal, nem a paliçada art déco da avenida Atlântica. Infelizmente, o período que empolgava o jovem Di não era do agrado de Lima Barreto, que deplorava tudo que acontecera nos primeiros 20 anos do século e preferia a empesteada cidade colonial à Paris à beira-mar construída pelo prefeito Pereira Passos em 1902.

Portanto, não me impressiona quando alguém se refere a qualquer época do passado do Rio como "o tempo em que ela era a Cidade Maravilhosa". O passado sempre tem razão e, se recuarmos muito, descobriremos que esse tempo deve ter sido o de Estácio de Sá –por sinal, morto em 1565 por uma flecha perdida dos tupinambás. E conheço muita gente que se queixa do Rio de hoje e morre de saudade de sua juventude carioca nos anos 70 e 80.

Nostalgia é atraso, e os anos dourados da Cidade Maravilhosa são os de qualquer pessoa que teve ou tenha entre 20 e 30 anos no Rio em qualquer década, inclusive a nossa. O passado não me deve nada, mas duvido que eu encontre hoje no Rio um garotão que tope trocar sua juventude pela minha.

...Continua sendo
POR FERNANDA TORRES, 43, ATRIZ


O Rio de Janeiro continua sendo a cidade plantada aos pés do acidente geográfico mais deslumbrante do planeta. Talvez o encanto se reduza a isso, o que não é pouco.

A natureza tem a função de uma faca afiada na barriga do carioca. Não existe posteridade no Rio de Janeiro, não há ninguém mais importante do que o Corcovado ou o Pão de Açúcar. Qualquer pompa ou circunstância é posta à prova diante da geologia eterna. A democracia no Rio é imposta pela sua grande fonte de lazer: a praia. É impossível isolar, esconder ou maquiar classes e castas. Daí, a dificuldade do carioca de levar realmente a sério feitos e fama. Conheço poucos habitantes dessas paragens bestamente deslumbrados ou grosseiramente poderosos. Ostentar pega mal no Rio, sempre pegou. Não há pecado maior do que se vestir demais. Um homem de sunga e chinela estará sempre mais chique do que a perua de salto alto.

As amizades ainda acontecem na esquina, ninguém visita ninguém, ninguém almoça, ninguém come, sai-se à rua com grande volúpia. Um dia de sol no Rio é um tapa na cara do ensimesmado, do pessimista. É uma cidade boêmia e feérica que decaiu e não se tornou decadente, vai explicar... O Rio continua sendo a Lapa, o Posto Nove e o Maracanã.

Não sei o que seria de nós se tivéssemos usufruído da riqueza que regou o mundo civilizado nos últimos 30 anos. Uma vez fui a Cape Town, África do Sul, e a cidade me lembrou o Rio, pela beleza natural e presença majestosa da Table Mountain. Mas Cape Town era rica, estava inserida no capitalismo de luxo. O Rio não, continuou sendo uma cidade da década de 70 assassinada por prédios de mau gosto do boom imobiliário de 80.

Semana retrasada, como todo bom carioca, fui trabalhar na imponente São Paulo e terminei a noite em um jantar na casa do Arnaldo Antunes, que confessou o quanto sentia falta dos shows da adolescência, sentado no chão da escada do auditório da faculdade, sem a organização ascética e desprovida de pecados de hoje. Pois o politicamente correto não chegou ao Rio. Aqui, ainda se senta na escadaria. O Rio continua sofrendo dos defeitos e das qualidades da era pré-corporações. Talvez por isso a cidade ainda atraia tantos artistas, pessoas que vivem do que é humano.

Quando o trem bala se tornar realidade, o balneário se transformará definitivamente no melhor bairro para se morar de São Paulo. O Rio de Janeiro continua sendo fevereiro e março, e principalmente abril, maio, junho e julho, e agosto e setembro, sem esquecer de outubro, novembro e dezembro. O Rio de Janeiro continua lindo.

PODERIA SER...

POR FRANCISCA
CAPETO, 10, ESTUDANTE


Para mim, o Rio de Janeiro daqui a 20 anos será muito melhor. Não terá mais poluição, não terá mais assaltos e nenhuma violência. Terá várias novas tecnologias como motores que as pessoas colocam nos pés e saem voando, balas que você coloca na boca e começa a imitar um bicho.

Eu acho também que a Lagoa Rodrigo de Freitas vai estar limpa e vai ter natação nela, teremos ônibus de seis andares e o de cima vai ser aberto. Os brinquedos das praças vão falar, ter vida. As pessoas vão poder passar e ouvir através das paredes. Os continentes vão todos se juntar, e nós vamos falar uma língua misturada. Todos vão comer todos os tipos de comida. Os chocolates vão nascer prontos, em árvores. Os legumes vão ser balas muito gostosas. O Rio só vai melhorar com a idade. Porque "eu moro em um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza".

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