São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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ANAGRAMA

A busca da inspiração e o relógio biológico dos Irmãos Campana

por ANA RIBEIRO

CARA METADE

Nascidos em Brotas, a 240 km de São Paulo, os irmãos Campana são internacionais. Em cartaz no museu de design Vitra, na Alemanha, a exposição "Anticorpos" é uma retrospectiva de 20 anos do trabalho da dupla. Humberto, 56, advogado de formação, e Fernando, 48, formado em arquitetura, passam hoje o mesmo tempo no Brasil do que fora. Brotas continua no roteiro. Entre um embarque e outro, vão visitar a mãe, Célia Pinheiro Piva Campana. O terceiro irmão, José Alberto, 58, mora no Nordeste.

Quando você não está a fim você não cria mesmo, não é "faz aí uma cadeira", que não sai de jeito nenhum. Fora do Brasil, temos tido muito contato com estudantes, estou desenvolvendo um lado pedagógico. Um workshop você tem de conduzir para alguma coisa, tem de ter um resultado. Não dá para esperar estar inspirado para descer o santo, tem de fazer o santo descer de qualquer jeito.

Tem meses em que viajamos toda semana. Vai segunda, chega sexta, e ainda passa o fim de semana em Brotas. Não é fácil, muda o seu relógio biológico, eu não faço mais cocô na hora certa. Antes tinha aquele horário sagrado, agora tenho de voltar para a minha casa durante o dia, ainda bem que eu moro perto. Para dormir, também é complicado: ou durmo demais ou durmo de menos.

O improviso, que era motivo de vergonha no Brasil, hoje é considerado agilidade mental. Num momento de crise a gente encontra solução. Sabemos conviver com o fundo do poço, com a arquitetura de emergência, com o design da escassez, fora da tecnologia. O europeu está muito robotizado, aquela coisa de jantar das 19h às 21h não dá. Eu falo: "Não vai dar para passar mais um café, tirar o sapato, tomar uma saideira?"

Nosso olhar nasce da rua, de como o camelô arruma a sua barraquinha, da forma com que o morador de rua constrói uma casa com nada ou até do lixo jogado, de como um material está junto do outro. É tão feia nossa cidade, esse mau planejamento, que você tem que começar a enxergar beleza nisso.

Há um glamour em volta do nosso nome que não corresponde à realidade. Não estamos ricos. Nem esse lugar onde a gente está é nosso, é alugado.

Meu pai, agrônomo, tinha consciência ecológica grande. Quando a fazenda do meu avô foi dividida entre os filhos, ele pegou a parte que não tinha nada, só mato. Construímos uma torre de eucalipto no meio do mato, para ver estrelas. Convidamos os amigos para a festa de inauguração, e o vizinho da frente, que é meu tio, chamou a polícia, achando que estava tendo um roubo de gado. No futuro, queremos fazer um jardim ali e deixar para Brotas.

Vejo meu trabalho como uma religião. Se não tivesse paixão, estaria louco, no hospício, ou drogado, à beira de algum abismo. Gosto de ensinar e não sou egoísta, acredito no movimento que existe na criação. Quando você faz para o universo, vem em dobro; penso muito nisso.

Quero fazer uma cadeira que tenha toda a poesia nossa e que seja democrática, acho que ainda falta isso, esse amadurecimento.

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